"tomara a maior parte das coisas ser bonita
e já lhes bastaria"
Eu disse que faria uma Newsletter quando chegasse a 100 assinaturas. Não chegamos, foram pouco mais de 50, mas acho que isso não é bem como uma newsletter deveria ser, então empatamos. Porque tem dia, tem hora, tem dor, que pede um peito maior. Um cigarro pela metade. Um pouco de silêncio. Uma bebida gelada. Algum azul.
Vai ter o quê, por aqui? Um pouquinho de cada nada. Talvez frases recauchutadas, as dores do dia, algum tesouro desenterrado de mares alheios. Muitas, muitas confissões oversharing. E alguma gafe, porque ainda não aprendi a mexer direito na coisa.
Estar em quarentena não tem sido fácil. Uma prece: dai-me a sabedoria de sobreviver sem coragem. Ou: dai-me a coragem de não saber sobreviver. Ou: dai-me a sabedoria de não ter coragem de sobreviver. Ou: dai-me a coragem de sobreviver com sabedoria. A verdade é que nunca aprendi a rezar mesmo.
Eu nunca me afoguei, mas imagino que seja um pouco parecido com viver esses dias de pandemia. A gente (a gente sou sempre eu) vai cada vez mais fundo e fica cada vez mais difícil retornar à superfície. É cansativo. Demanda força e uma certa inocência de supor que vai ser diferente se voltarmos à tona. Cada vez que imergimos, a gente (eu, eu, eu) se pergunta se vale a pena mesmo todo esforço que vem acompanhado daquela queimação no peito, olhos ardendo, engasgo.
Ultimamente eu basicamente penso em duas coisas: morte e sexo. Alguém poderia argumentar que não é novidade, que é basicamente isso pra todo mundo o tempo todo, leia Freud e tal. Mas no agora os temas chegam sem fantasias, distrações, deslocamentos sejam eles muito ou pouco sutis.
Ele só quer me comer: tamos aê.
Sabe aqueles cartões de baile, que as mocinhas levavam e anotavam o nome dos cavalheiros pra quem reservavam a dança? Estou pensando em modernizar a coisa e fazer um cartão de sexo, mirando no pós-quarentena.
Daí que você tem uma boca imensa e um filtro desgastado. E diz que ah, queria. Fazia. E tudo. E ela diz: te apresento. E você ri. É brincadeira, claro. Mas você cora. É a rosácea, não sou eu. Claro. Você muda de assunto. Você volta pro assunto. É brincadeira. Claro. Morde a língua. Não alimente a besta, luciana, ela te devora de dentro pra fora.
Imagina o tamanho da dor pra pessoa nem reparar que estava chorando.
Dizem que o mar cura tudo.
Dizem que os cães vêem coisas.
Dizem que os significantes deslizam.
Parece que é tudo verdade (não toda, porque dizê-la toda, etc)
Sim, o menino Miguel, as manifestações antifascistas, o apagamento dos números sobre covid. Tem esta parte na gente (a gente sou sempre eu) que está constantemente dolorida. Como se a alma tivesse esbarrado em algo contundente e se a gente não mexe, quase não incomoda, mas se algo encosta mesmo sem querer, a respiração falha com a intensidade da dor. Acho bonitinho como a gente dizia, na infância: magoar a ferida. Hoje, tudo magoa.

Uma coisa sobre mim: tenho gastura de isopor.
Uma coisa sobre a vida: devíamos ser mais perdulários com cafuné e morfina.
Uma coisa sobre a morte: não existe solidão como a do goleiro que falha.
Uma vida vivida, uma vida inventada. E a escrita: linha e agulha dessa colcha de retalhos.
Quando a gente não sabe o que fazer. Quando a gente sabe o que fazer, mas não quer. Quando a gente sabe e quer, mas não tem, por exemplo, grana ou tempo. Quando a gente sabe, quer, pode, mas tem medo de não segurar o tranco. Quando a gente não tem mais o que fazer. Quando, esse lugar onde moram meus fantasmas.
Luciana mas, por dentro, Pedro Pedreiro.