Newscoisa #02
Newscoisa #02
Cheguei e hoje nem é domingo. Quando eu disse semanal, eu estava dizendo: quando der na veneta.
(PS do bem: cês sempre podem correr, eu não vou saber mesmo).
Esta semana teve dentista. E, olha, eu sempre gostei de quem eu ia ser, além de gostar de quem eu vou sendo, mas tá cada vez mais difícil, porque quem aguenta essa mulher medrosa e repentinamente meio hipocondríaca? Fui, como cantava o Vandré: nóia na frente, a História na mãOPA, não era assim? Na entrada, tapetinho, álcool gel, medição de temperatura (inútil, porém reconfortante). Na recepção, paciente bolsocoisa atazanando meu juízo, na cadeira da dentista elogio à beleza dos dentes e carão pelo abandono deles, pós-consulta: boca doendo da intervenção, corpo doendo da tensão, nova visita agendada (juízo doendo na antecipação).
Disse a amiga da amiga: “há quem acredite em limão em jejum. Na Santa Rita. Em horóscopo de jornal. Que o salário é justo e que a mais valia não existe”. E meu juízo continuou, sozinho e sem rumo: há quem acredite em essência. Natureza humana. Trevo. Gato Preto dá azar. Borra de Café. Pra mim, quente e forte. Há quem acredite em orixá, santa que faz de pão, rosa; santo que anda com bicho. Tem gente que acredita que gente é só um tipo de animal. Que acredita em método científico. Nos autos. Ou na benzedeira dona mariazinha do toim. Em arruda. Em espíritos, ou espírito, às vezes santo. Que nem o dos bichos. Cachorro correndo atrás do rabo. Em assombração que puxa o pé de noite ou bate no punho da rede. A minha, na varanda. Olho grande, olho gordo, pimenteira, espinhela caída, figa, fita vermelha na testa pra evitar mau olhado. E eu, no olho do furacão. Há quem acredite em promessa. Em carta. De tarot ou saudade. Na bíblia. No gráfico. No relatório, encadernado e assinado. E eu, sem lenço e sem documento. Há quem acredite em Verdade. Deus. Deusa. Visagem. ET. Velho do saco. Papai Noel. Bicho-papão. Nos astros. Gosto sempre: anos de ouro de Hollywood. Há quem acredite nos búzios. No busto. Grande e siliconado. Na propaganda: colorida e animada. Um show em Technicolor. Nas cores, nas dores. No Karma. Nas armas. Amarras. Amarração. Votos. De casamento ou política. Há quem acredite em sinais. Eu reclamo do trânsito e cantarolo Paulinho da Viola. Há quem acredite em pílula mágica, solução rápida, atalho. Eu fico com o peso extra, o lado da sombra e a sandália gasta. E ainda acredito na rapaziada.

As amigas zombam (com uma certa dose de razão), dos meus crushes. Não tem como me defender, é verdade, mas posso – talvez – explicar. Fui perdendo, com o tempo, grande parte do desejo do improvável. Quase todos os que tenho, ainda hoje, trago-os na bagagem. Atualmente, estou mais na vibe “pode ser ou tá difícil”. Por isso, aquele. E estes (porra, Luciana, o Chico tudo bem, mas o Edu e essa barriguinha? Sim. Inclusive tenho barriga também. E nem tão inha).
Eles envelheceram. Eu também. O desejo, atemporal (se apertar, eles cantam)

Sessão #mamilos:
Estátuas. Podiam ficar nas ruas as que nem essa de Londres (amei, me apaixonei, parecia o Bode Ioiô). A dos hominhos malvados e afins, rebola num museu bem explicadinho. No por enquanto, se tiver com sangue nozóio na manifestação, arranca a cabeça sim, rebola no rio sim, desenha um bigode com pasta de dente sim.

Tópico 2: E o vento levou. Acho que se a gente assiste e não repara e se incomoda que é uma puta forma escrota de retratar o período da escravidão (e não tão de cara, mas também, que é uma exaltação dos confederados), não sei se um disclaimer vai resolver. Amortizar, tirar da vista, tutelar gente grande, sei lá, penso que estamos trabalhando no lado errado da operação.
Ps do bem 2: a probabilidade de eu estar equivocada na sessão mamilos é semelhante à chance de estar errada na vida: sempre altíssima, eu sou errante por vocação e um pouco de gosto (como se tivesse chapeuzinho no primeiro "o").
Descobri que quem lê a newscoisa pode me mandar uma respostinha, mas não descobri se posso responder suas respostas (tá ficando enrolado, eu sei). Daí resolvi dizer por aqui mesmo: a) Eva, tão bom saber que minha cartinha chegou aí e fez sentido, você foi minha primeira resposta, surpresa boa demais; b) maravilhosa é você; c) baby, você nunca me chateia, saber da sua dor, das suas perdas, da sua inevitável coragem pra sentir e pra contar o que sentiu, faz com que as tentativas de comunicação ganhem algum significado, olha, não vai nessa aí de filho que escolheu os pais, não. Já tem muita bagagem pra gente carregar, não é preciso mais essa culpa no seu alforje. Não vou dizer que vai dar tudo certo, tudo é tanta coisa e certo é palavra oca. Mas vou dizer que você, aqui, faz diferença; d) Carla, obrigada pelo empurrãozinho.
Essa semana teve, no Cais de Saudades: texto velho sobre filme velho da Binoche. E no “À tarde fui nadar”: eu enfiei o pé na jaca com Delay e alguns cactos e Foda-se Plutão; Eugenia trouxe a nostalgia e a beleza da casa que permanece no seu Aqui, Assim; Renata nos embalou com suas memórias sensíveis de despedida, amor, saudade e Mugunzá.
E todo, todo, todo dia, é dia de lembrar e doer cada pessoa. Não são números. Inumeráveis.