Newscoisa #08: E a tristeza que ela plantou tão fundo em mim
Ennio Morricone morreu com 91 anos. Com um amor de uma vida. Filhos, netos. Um trabalho reconhecido. Uma vida a ser celebrada, não lamentada. Mesmo assim - e a despeito de mim mesma - tem doído um tanto saber sua morte. Muita gente costuma temer seu próprio fim. Eu tenho mais medo de não morrer antes do meu mundo acabar.
Não escuto um assobio sem pensar no Morricone.
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Eu nunca fui especialmente estudiosa. Ou esforçada. Ou sedutora. Nunca fui particularmente sabida, culta ou bem informada. Não sou assim tão engraçada, esperta, criativa. Mas sempre fui muito boa em ser contente. Alegre. Uma inclinação pra felicidade. Aquela coisa de um sol solto na pessoa? Trabalhamos (e sombras, claro, sombras, mas é outra conversa).
Além de toda tristeza pelas mortes, além de toda raiva por esse desgoverno genocida, além de toda solidariedade com os profissionais envolvidos nas atividades de cuidado e com os familiares e amigos de quem adoeceu, sofreu, morreu, além do além, eu sinto essa melancolia de não me saber mais.
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Henri Lebasque
O que eu queria mesmo passar umas horas no teu azul. Distribuir umas sardas no texto. Queria aquele sorvete de graviola. Ou o beijo do primeiro moço entre as grades do portão da casa da tia. Queria não ter feito aquela pergunta. Saber um poema completo. Um dia na praia. Ou a banheira cheia. Tuas mãos secando meu cabelo. Queria era um vestido decotado, uma lua cheia, um copo cheio, um peito vazio. Queria chegar antes. Escrever uma carta de amor sem destinatário. Ou um cheque. Ainda, alguém? Queria lembrar a palavra certa. O caminho. A senha do banco. Queria dizer só o necessário. Tirar do corpo o desassossego. Tirar o sutiã. Tirar teu fôlego. Queria ter alguma certeza. Queria acreditar que ter certeza bastaria. Queria.
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Vocês também descobrem alguém sabido, que publica bastante, ficam com vontade de curtir e comentar tudo (às vezes com bobagem) mas se resguardam pra não parecer a louca stalker oferecida e acabam perdendo o ritmo, não comentam nada e se sentem cada dia mais distante e perdendo a oportunidade de um relacionamento legal? Fica aqui o comentário: escrevo cartas, sou boa de buraco, pif paf, paciência #multifuncional
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Minha memória é muito ruim. Não lembro do que eu disse, ouvi, vi, das cores, das horas, dos fatos. Mas lembro daquele instante como se estivesse sempre a acontecer no minuto passado. Um pequeno momento, um pedacinho de quase nada do tempo, mas que permanece como se ainda. Ou sempre. Uma fração de segundo. Que passou. Acabou. Ou talvez ainda dure já que ainda falo nele apesar do trabalho do tempo em acinzentar as bordas da memória. Foi uma nada, eu disse, não disse? Olhávamos juntos na mesma direção e, ao contrário da poesia, isso me contava de distâncias e impossibilidades. Resignada, eu estava. Uma ponte tão bonita, eu lamentava que não nos levasse um em direção ao outro. Foi quando. Um gesto de nada e uma palma de mão roçou o dorso da outra. Nem sei se íamos pegar a mesma garrafa. Se você ia aumentar o volume do rádio. Se eu apenas me esticava no carro que parecia cada vez menor com a certeza do não crescendo a cada minuto entre nós. Eu lembro de muito pouco, lembra? Mas aquela palma da mão no dorso da minha. Aquele instante, a textura da pele, a temperatura da pele, a pele na pele. Aquela fração de segundo. Que se fez sim, se fez boca em boca, abraços, noites longas e manhãs preguiçosas, se fez viagem, se fez carne e peixe e queijo e laranjas descascadas de uma forma peculiar. Tudo que foi eu misturo, esqueço, embaralho. Mas ainda sinto a pele, a temperatura da pele, a textura da pele, a palma da sua mão roçando o dorso da minha mão e, após um instante como de surpresa e descoberta, fechando-se sobre ela como para evitar que ela fugisse. Ficou. Fiquei.
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Status: homem de barba.
Só espero que chegue logo a vacina do micróbio do caraleo pra eu pegar um avião, bater na tua porta virtual e chamar pra uma cerveja. Daí eu lembro que nem sei se você bebe. Difícil ser tão fácil.
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Uma pessoa que recém conheci*, esses dias me disse que eu tinha uma relação muito particular (em relação ao grupo que fazemos parte) com os textos que li. Que eu sentia cada palavra com muita intensidade. Que a memória de uma leitura tinha, na minha voz, densidade e cheiro e sabor (e disse outras coisas lisonjeiras e felizes). E é porque ele não sabe eu e Maria. Aquela, que vai com as outras.

As canções de ninar que ouvi e que cantei: Marina, Prece ao Vento, Fracasso, Maria Moita, Lobo Bobo e Maria Vai Com as Outras (tinha outras? Tinha, mas a memória é uma ilha de edição). Toda uma Luciana definida nessa forja de perdas, incompletudes, desejos, desencontros.
Um pouco depois aprendi Feijãozinho com Torresmo.
A tristeza que a voz de Maria Creuza plantou em mim, plantou tão fundo, não sei explicar. Eu vivo em risos, mas corre, subterrâneo, esse desamparo.
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Uma coisa bonita, bonita mesmo, é pegar o prato mais querido, derramar azeite, umas lâminas de alho, deitar as batatas cozidas, um salzinho, um ovo em banda, cebolinha, uma taça de vinho e alguma saudade.
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*Também pegava. Só dizendo.
** Obrigada todo mundo que responde essas cartinhas. É uma alegria saber que a garrafinha alcançou porto.
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Olha só, se você não viu Crip Camp, fica aqui minha sugestão: corre. Tem tanta lindeza, organização, conversa, transformação da realidade, sexualidade como ato político (mas não só), busca de autonomia e liberdade, ocupação do espaço público, políticas de direitos humanos e mais e mais. Foi meu momento "na luta é que a gente se encontra. E sim, tem na Netflix.
