Newscoisa #10: Papel de pão, de carta, de boba
Newscoisa #10: Papel de pão, de carta, de boba
Hoje a cartinha é mais um amontoado de bilhetes desconexos que outra coisa.
Sobre bilhetes: grande parte da minha subjetividade foi forjada na fornalha aquecida pelos vinis dos meus pais. Chico, Maria Creuza, Gal, Bethânia, Nara Leão, Gil, um tanto de ópera, uma Amália, coisas assim. E Vinícius. Muito Vinícius. Com seus incríveis parceiros. Estou arrodeando pra chegar, mas chego: Alfredo. O bilhete mais triste, porque dos bilhetes tristes, foi o primeiro. E nem é pela morte. Ou por ser suicídio. Mas porque diz: “embaixo assinado Alfredo, mas ninguém sabe de quê” e isso me destroça. Sempre, sempre, sempre que escuto essa música eu me lembro que há tanta, tanta, tanta gente que não é suficientemente “humano”. Gente invisível, gente descartável, gente reificada. Não há advérbio de intensidade (ou de tempo usado com muita intensidade) que dê conta de dizer que quando desumanizamos alguéns, nos desumanizamos junto. E o “nos/nós” aqui é todo mundo mesmo, não tem essa de “ah, eu não”, mesmo quem sempre os cumprimenta porque parecem bons.
Já o papel de embrulho do Zeca Baleiro, que veio bem depois, me faz sair rodopiando. Aquela música gostosinha, que toca nos vazios da alma e a gente sente que já gostava desde antes de escutar pela primeira vez. O corpo responde ficando molinho, os olhos ficam pequeninos, os lábios entreabertos, o quadril toma as rédeas e a gente só quer que permaneça madrugada nos desejos.
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Alerta: completamente insuportável. O brasil, os dias, eu.
Na verdade, 98% insuportável mas aqueles 2% Rê Bordosa:

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Resolvi me mudar para Modern Family.
Eu tenho mesmo dificuldade de participar de grupos de zap. Um pouco porque, com demasiada frequência, tornam-se depósitos de links e memes – quase todos, quase sempre, já vistos nas inúmeras TLs compartilhadas nas redes sociais que os membros do grupo costumam frequentar juntos. Um outro tanto é porque pessoas incríveis, quando num coletivo, às vezes mostram lados que eu realmente não queria ver. Elitismo e superioridade moral é mato. Como eu não tenho vocação nem interesse de viver dando voadoras, evito. Tem gente que sabe chegar, que explica, que pondera. Acho incrível, admiro. Eu mesma, tete a tete, sou capaz de conversar horas sobre. Mas não nessa modalidade de comunicação em que há o risco de sair tudo truncado, das pessoas saltarem falas, de se perder nos tópicos, de ser interrompido o papo por uma piada urgente sobre outra coisa, eu não consigo mesmo.
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Eu acordei pensando em uma comidinha bem específica. Por sorte meu aparelho psíquico (ou aqueles bonequinhos do Divertida-mente, quem mandar de verdade) foi generoso e era tudo coisa que tinha aqui em casa. Logo cedo fiz salada de batata (aquela, com maionese, eu sei, eu sei, me deixem) e coloquei na geladeira. Quando estava perto da fome se apresentar, cortei o bacon miudinho, fritei, tirei os pedacinhos e deixei a gordura, rebolei lá a carne moída sem tempero algum e fui mexendo, soltando, deixando torradinha enquanto ouvia uma playlist de nordestinidades. Após muito mexer, quando ela soltou a aguinha, larguei por uns três a cinco minutos pra secar e depois coloquei alho, cebola, pimenta-do-reino, canela e sal. Ela ficou lá, se sentindo gostosa, voltei os pedacinhos de bacon pra fazer furdunço com ela na panela e era hora do arroz soltinho - eu era um fracasso com arroz, então depois que aprendi os passos, não desvio da rota nunquinha e sempre celebro o sucesso. Daí um tempinho, é só montar o prato: arroz, carne moída, salada de batata e melão. Sim, melão. Eu gosto de fruta junto com a comida, call me vândala.

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A impressão de que o brasil-sil-sil resolveu ignorar o vírus e o adoecimento e as mortes e tudo e vida que segue do jeito que dá, chegou na minha TL via reedição de situações antigas remasterizadas. Temos as velhas piadas com engordar. Afinal, que coisa mais velho normal que gordofobia, não? A gordofobia vem acompanhada – como não – com aquela depreciação básica de pessoas com mais e mais anos. Afinal quem quer pele flácida, olhos fundos, cabelo ralo, por perto, não é mesmo? Mas, como nas promoções daqueles canais de vendas de tv a cabo, não é só isso, também temos memes relacionando a inteligência e/ou caráter das pessoas com sua aparência: vejam como as pessoas de direita são feias e acabadas e a esquerda divertida e bem-humorada tem a pele tão bem cuidada. Como cereja do bolo (daquelas de chuchu), vamos combater o padrão de beleza feminina tirando fotos caprichando nos filtros e distribuindo elogios relacionados estritamente à aparência (quanto mais próxima do padrãOPA mais elogios, quem diria).
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Talvez eu tenha voltado pra análise apenas pra poder dizer algo diferente de sinto muito. Eu nunca quis, eu não quero doer em você. Se eu minto, é que há uma distância entre o sentir e a palavra.
Às vezes eu lamento não acreditar em deus, juízo final, céu, essas coisas. Bem queria chegar lá com meu sorriso cheio de dentes e responder, serelepe: - E na Terra, o que você fez? - Amigos.
Dormir ajuda, eu disse para a amiga. Beijar também, ela lembrou. Eu ri, mas dormi chorando.
Tenho chorado muito, aliás. Quase sempre tenho chorado de cansaço. Tem sido estranho. Trabalhar até não conseguir mais. Até doer. Insistir. Permanecer. Sentada. Digitando. Pensando. Tentando pensar. E o cansaço chegando. E o cansaço doendo. Até que eu percebo que não vou conseguir. Não hoje.
Eu fico lembrando da poesia: “um homem com uma dor é muito mais elegante”. E fico pensando em como andaria esse homem se um dia a dor não doesse. Se saberia. Se saberei. Se ainda saberei. Andar. Viver. Quando não for peso e sim memória.
Esses dias, lá no À tarde fui nadar, teve viagem pro interior de mim: Nesses sertões de você; teve Renata Lins e sua sensibilidade nos lembrando: Como as árvores; e mais eu com algumas novas ternuras: Pedrinhas brilhantes.
Lá no blog eu falei deste cartunista: Yuval Robichek. Estou bem encantada com a competência pra, sem saber de mim, me dizer tanto. Por exemplo, eu na vida:

Parece que eu vou fazer pretzel. Se for um sucesso, conta na próxima cartinha. Vou com bóia de bolinhas, claro.