Newscoisa #11: Para um amor no Recife
“Meu amor eu não me esqueço
Não se esqueça por favor
Que eu voltarei depressa
Tão logo a noite acabe
Tão logo este tempo passe
Para beijar você”
Eu sou espalhada. Faladeira. Duvido que reservada esteja entre os primeiros dez adjetivos que alguém listaria sobre mim. E, no entanto.
Encaramujar-se é verbo que conjugo.
Há coisas que não podem e coisas que não devem ser ditas.
Tem dias que a gente só atravessa com o Paulinho da Viola.
“Quanto mais alto fores, maior a queda”. Sinto o corpo dolorido com os sonhOPA ossos quebrados em várias partes e escoriações diversas na pele.
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Mossoró, dia não sei qual da infinitena
Oi, meu querido,
Não tenho dúvida que você vai se surpreender com o envelope colorido se destacando entre contas e panfletos, não por ser uma carta minha – você que recebeu tantas – mas pelo momento que ela escolheu para chegar. Peço-lhe uma certa condescendência, as palavras atravessaram desfiladeiros, zonas escuras e aquele mar onde algas, monstros e sereias lançam e misturam odores e promessas. Depois ainda tiveram que entender-se entre si para fazer algum sentido e contar de dias que parecem não ter nenhum. Você lembra, lembra, quando as palavras iam em desalinho, como se saltitassem entre ressaca e excitação? Ou quando elas se ligavam sem espaço, carta-novelo, e você menos que ler, desenlinhava meu sentir?
Não é nada disso que se deposita na sua mão, hoje. São palavras sobreviventes e se elas falam apenas de trivialidades é que lhes falta fôlego e sobra exaustão. Sei eu e sabem elas que podemos contar com sua gentileza, mesmo que já não sejamos estranhos. Então digo que limpei o ventilador. Tirei as grades, passei uma escova de dente usada e depois, com o pano, retirei o pó das pás e da base. Fiz isso no quintal, manhã cedo, ouvindo o silêncio no acordar demorado do domingo. Ainda hoje, em um mais tarde, tirei todos os ímãs da geladeira, guardei os de viagem, rearrumei alguns poucos na lateral. Faço planos de encomendar uma chapa de aço, de 2mts por 60cm para colocar na parede da sala e misturar ímãs e fotos de lugares visitados. Se houver um futuro.
Tive vontade de fazer bolinho de arroz, mas fiquei com preguiça de sujar o fogão com óleo de fritura. Fiz creme de abacate. Já comi tudo. Precisei de um abraço. Do seu, talvez, com sua barba perfumada fazendo cócegas no meu pescoço e suas mãos tão grandes prontas para segurar qualquer barra. Uma amiga morreu e eu ainda não sei como eu estou me saindo em relação a isso. Nós nunca bebemos um café ou uma cerveja, nunca estivemos no mesmo lugar ao mesmo tempo, jamais trocamos um abraço. Tínhamos ritmos, estilos, círculos diferentes. Mas por dez anos ela sempre teve uma palavra gentil, uma receita pra oferecer, um elogio fácil, perguntas intrigantes, trouxe fotos, canções, caminhos pros meus dias. Sendo bem honesta, daquela sinceridade que é coçar até arrancar a casquinha da ferida e deixar sangrar de novo, eu só soube que a palavra amiga fazia completo sentido quando usei para descrever sua ausência. É todo um mundo que nunca mais. E dói.
Tudo tem doído nestes tempos, você sabe como eu sou. Mas você não se assusta porque sabe, também, da minha rede rosa na varanda. E das canções do pessoal do Ceará. Tem outras miudezas: ainda me comovo com o cheiro de café, sorri com uma tirinha das cobras, dei puxão de orelha na irmã e nos pais quando queria era dar cafuné. Acho que “ainda” tem se tornado uma das minhas palavras preferidas. Tenho tido dificuldade de me reconhecer, então tudo que é permanência, nestes dias, me agrada - eu sei que você riu agora da ironia de eu escrever algo assim. Espero que isso passe logo (mais um sorriso, esse mais largo, aposto). Ainda tenho algumas esperanças, com mais pudor do que antes, mas que fazer? são resistentes. Uso uma delas para desejar que sejamos novamente na mesma madrugada, copo compartilhado e palavra de um terminado a frase do outro em gaitadas.
Todas as vezes que nos despedimos de alguém pode ser um pra sempre, eu sei, você sabe, então até logo ou adeus, sempre com amor,
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(aperta que ele canta)

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Os colos mais improváveis que oferecem não o que eu quero, mas o que eu preciso.
Se ela tivesse a coragem. Mas não tenho, Vinícius.
Enquanto existe Tara, a gente acredita que é possível. E se Tara é menos um lugar que uma relação, é preciso reinventá-la e retardar a ação do vento (e do tempo e do álcool, como bem disse meu tio). E reafirmar: amanhã será outro dia.
Status: na corda bamba, de sombrinha.
Vai passar, vai passar - tem que passar. Mas a certeza que tenho é que isso tudo será lembrado na minha vida como Átila. E eu, a grama.
Uma das imagens-síntese-ícone da minha vida é a garrafinha jogada ao mar. A convicção da alteridade, em algum lugar. Que bom que é você, sim você, você mesmo, que neste momento retira a rolha, desenrola o pequeno papel e sua existência dá materialidade à minha - mesmo que eu já não seja senão miragem e na ilha tenham construído um resort.
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No De tarde fui nadar da semana que passou tivemos Sopros - e os aprendizados e os esquecimentos - texto de delicadeza da Rita Paschoalin. Teve também uma outra cartinha minha, desta vez ao Sr. Quando - ou tempo, para os íntimos. Mergulha lá com a gente.