Newscoisa #13: Galos, noites, quintais e lives da Teresa Cristina
Mas veio o tempo negro e a força fez
Comigo o mal que a força sempre faz
Não sou feliz, mas não sou mudo
Hoje eu canto muito mais
Eu poderia dizer, como tanta gente que conheço, que não gosto de lives. E não seria mentira, embora também não fosse verdade. Eu não tenho é paciência com vídeos. Não me entendam mal, eu gosto de filmes e séries. E fica nisso. Não gosto de vídeos engraçados, fofos, de criança, de animais, palestras interessantes, debates riquíssimos, nada. Não gostava de vídeos antes da infinitena e continuei sem gostar deles no até agora (exceção declarada para essa dublagem maravilhosa dos 300 de Esparta e para o vídeo do do café, só um pouquinho, sou capaz de ver estes vídeos repetidas vezes... mesmo assim eu só vi os dois, pela primeira vez, depois de muita insistência da minha irmã). Por isso, quando falaram das lives da Teresa Cristina eu logo pensei que não eram pro meu bico.
Demorei a chegar lá. Não fazia ideia do quão diferente era aquele ambiente que ela construiu (por um lado, lamento o que posso ter pedido, por outro fico contente de ter chegado quando já era o que vim a conhecer). Não sei direito o que aconteceu, se era em homenagem ao Chico, se eu fiquei sabendo que a Salmaso ia pintar, não tenho a menor ideia de quando fui espiar pela primeira vez. O que sei, claramente, é que de lá nunca mais saí.
As lives da Teresa Cristina não se parecem em nada, nadinha, com a idéia que eu tenho de vídeo. Pelo formato, pela maneira que ela conduz, pelo enquadramento que ela usa, sei lá porquê. Mas não parece. A gente pode acompanhar vendo e ouvindo, só vendo, só ouvindo, já estive junto de várias maneiras. Até coloco coraçõezinhos pra flutuar. Eu ia dizer que lembra um boteco animado, e é quase isso, tem álcool, conversa animada, gente chegando e saindo, boa música, por vezes bem tocada, outras vezes apenas mencionada e muitas boas histórias. Mas não, não é um bar, assemelha-se mesmo é à festinha na sala da casa de um amigo: pessoas mais ou menos conhecidas, uns bons pastéis, o violão passando de mão e mão, papo de política, aqui e ali alguém xinga o presidente, gente alcoolizada em estágios distintos e conversas maravilhosas. E repetidas. Faz uns dez dias que a Teresa Cristina conta a história de uma conversa com Bethânia. Todo santo dia, a mesma história. Me identifico? Demais. Ela é empolgada. Chorona. E dona de uma gaitada envolvente. Eu reluto nisso de signo, mas quando estão ela e Salmaso, nesses duelos encantadores de músicas, risos, lágrimas e filtros divertidos, eu me sinto em casa. Piscianas.
Durante as lives, dizem, as pessoas até se paqueram nos comentários. Não tenho agilidade suficiente nem pra acompanhar, quanto mais pra fazer isso. Em época de Olimpíadas eu mal consigo ver uma prova e twittar nos intervalos, imagine interagir no instagram onde as palavras passam voando. O que sei que acontece é generosidade e valorização da memória. Generosidade para abrir espaço para novos talentos cantarem, recitarem, falarem de si e de suas trajetórias. Intérpretes, instrumentistas, compositores. Ela escuta, ela valoriza, ela divulga, ela acende e coloca, em outros, os holofotes. Consolidou isso nas noites de segunda feira, as lives autorais. E nas lives de domingo, com tema LGBT. Mas não é exceção ou pauta no cercadinho. Acontece no toda noite. Hoje mesmo, escrevo escutando a live Mulheres Negras. Madrugada após madrugada ouvimos bonitezas em variados sotaques. Me encanta. E a ela também, que chora, noite sim, outra também. Com o mesmo empenho que ela coloca no acolhimento dos jovens, do novo, do que desconhece, Teresa abre espaço para o rememorar. Conta as histórias das canções. Homenageia artistas como Clementina de Jesus, Nara Leão e Elizeth Cardoso. Traz, para o centro da conversa, artistas que, há décadas, vem trabalhando sem muito reconhecimento nos bastidores do samba, da MPB, sei lá do que mais. Poderia, com o sucesso e repercussão que alcançou, receber e cantar junto só com gente badalada. Mas não. Ela tem um apreço enorme por quem viveu e vive construindo o mundo da música. Os operários. Nas lives de Teresa Cristina ouvimos as memórias das canções e das pessoas que fizeram essas músicas se tornarem importantes nos nossos dias. Sem pressa, ela dá corda pra Alceu Valença, Anastácia ou J. Velloso abrirem o baú de reminiscências. Frequentam a sala da casa da TC, os filhos e netos e primos e amigos dos medalhões. E, de vez em quando, até um deles. Gil, Chico, Caetano. Nesses momentos, Teresa perde a compostura. Chora, dá gritinhos, esquece o que estava falando ou cantando. Depois fica preocupada porque tá com olheiras. Eu queria muito dar um abraço nela, nestes momentos.
Teresa Cristina estuda os temas que propõe. É lindo encontrar este respeito e afeto pelas coisas que se faz. Aliás, afeto talvez seja a palavra eixo quando penso nestas lives que ela promove, diariamente, há nem sei mais quanto tempo. Todo, todo, todo dia. Cansada ou não, dolorida ou não, magoada ou não. Sem falhar com quem espera esse alento antes de dormir. Ou quem nem consegue mais dormir e encontra pouso nesse espaço de sons e afeto. Afeto pelo ofício. Afeto pelas canções. Afeto por quem fez e faz este universo. Afeto pelos brasis, Afeto pelas pessoas. Afeto e coragem. Varar a madrugada na casa da Teresa Cristina é não esquecer, nem um minuto, o que tem de errado no mundo, o que se precisa combater. Mas é, também, nutrir-se. Lá, o belo. O bom. Uma batidinha gostosa que acalenta. Lá, lembramos porque e pelo que é preciso lutar. O que defendemos. As gentes, Suas vidas. Lá, com ela, com os que ela recebe, com os que a acompanham, toda noite, ao fundo, eu escuto Ednardo: porque cantar parece com não morrer...
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Momento aleatoriedades: encontrar a Bethânia e toda sua delicadeza e amorosidade no camarim (com direito a conversa gentil e autógrafo no programa do show) e receber, pelas mão dos incrível escritor angolano Ondjaki, uma encomenda da amiga Renata Lins (ela mandando do Rio, eu recebendo no azul de Lisboa), foram, provavelmente, as coisas mais chiquelelezas que já me aconteceram.

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Mais de cem mil mortos. Números oficiais, estimativas menos condescendentes falam em 4, 5 vezes esse número de mortos. E nós, diariamente, naturalizamos essas mortes. E nem estou falando dos negacionistas ou dos criminosos do governo. Banalizamos a enormidade desse evento quando comparamos com outros motivos de óbito. Quando falamos em “sair com os cuidados possíveis”. Quando colocamos balança da nossa saúde mental X os riscos em que colocamos as outras pessoas e discutimos quantas mortes seriam aceitáveis. Quando esquecemos que as pessoas que expomos não são só nossos parentes, embora se possa pensar que sim, quando repetidamente vemos as pessoas falando apenas de festas de aniversário, visitas aos avós, etc. Ninguém parece lembrar do moço do estacionamento. Do vigia do prédio. Do zelador. Do entregador. Da caixa do supermercado. Do moço do estoque (e, sim, eu sei que “nós” e “ninguém” é um jeito injusto e que generalizações, etc etc. Me julguem). Eu não faço ideia da dor dos outros, isso é certo. Mas sei das minhas. De pessoas que faziam parte do meu mundo e do mundo dos meus e que já não fazem. Que morreram. Morreram. São vidas. Não são números.
E o mais assustador é que esse não se acabar de morrer gente nem nos dá tempo de pensar nas consequências, nos adoecimentos decorrentes, no impacto na vida das pessoas e no próprio sistema de saúde.
Todas as vezes que eu escuto “vida que segue” eu, euzinha, eu mesma, eu-luciana, me espanto. Que a pessoa diga. Que eu sinta o que sinto, a seguir (nem escrevo, porque realmente me espanta sentir assim, eu, que nunca, nunquinha antes).
Eu tenho, cada vez mais, consciência - um pouco assustadora de tão nítida - das implicações de cada ato meu que envolve outras pessoas.
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Quantas vezes eu já disse, com mais ou menos drama, que meu mundo tem se acabado? Encantou-se Dom Pedro Casaldáliga. Ele, Dom Oscar Romero, padre Zé Teixeira, as pessoas amadas do Javé (inclusive o Fábio, que está nas entrelinhas do tópico anterior), essas pessoas com quem eu pude compartilhar um imenso amor pelas pessoas e uma fé sabor esperança. Não há tristeza em despedir-se de alguém que viveu, tão intensamente e com tanta coragem, suas crenças e sonhos. Mas há uma melancolia. E muita, muita saudade. Dele. E de mim, num mundo que havia ele.

“Por meu povo
em luta, vivo.
Com meu povo
em marcha, vou.
Tenho fé de guerrilheiro
e amor de revolução.“
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O Fabiano indicou e comecei a ler Jonathan Strange e Mr. Norrell e estou absurdamente encantada. Estou até achando que este livro e suas 800 e tantas páginas vão quebrar a maldição de emperrar na leitura durante a infinitena. Mas como resistir à descrição que o Fabi fez? “é como se Jane Austen escrevesse um romance de fantasia”. Encantador. E tem série da BBC, dá pra ver online e tudo (mas me contaram que a série não captou a ironia e uns parangolés do livro).
Vou abrir um parágrafo pra falar do Fabiano. Que pessoa linda. Inteligente. Divertida. Gentil. Tão, tão gentil. Eu às vezes nem acredito que ele gosta de mim. Mas ele gosta. E isso faz eu gostar mais de mim, sabe? Tem gente que tem essa magia. De tornar tudo especial, ou mais especial, ao seu redor.
Ou dois. Parágrafos. Eu conheci primeiro as palavras do Fabiano. Ainda hoje, às vezes penso nele primeiro como Fabjanski. Pelas redes sociais. E ficava matutando "que moço sabido". Daí eu fui até brasília e, na hora do bar, lá estava ele. E eu nunca que nunca que achei que ele foi lá também pensando em me encontrar (e, vejam, minha autoestima é sempre em dia, não é questão de não me achar legal, mas tem gente que encaixa e gente que não encaixa e eu não sabia se a gente era da mesma farinha). Conversamos, rimos, mas eu não tomei a amizade como um dado. Coloquei na conta da gentileza. Daí nos encontramos no Rio, uma vez e outra e mais. Com direito a beijos na boca e tudo. Outras risadas. Tantas conversas. E muito, muito afeto. Aí ele recomendou um livro que, olha, é tão certinho pra mim. Não é raro alguém me indicar livros e eu curtir, eu curto muito ler. Mas acertar um livro assim, tão eu. Amor demais. Queria dizer isso pro mundo. E pra ele. Amo você, querido. Que bom que você está na minha vida.
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Não temos tido muitos mergulhos, mas mesmo assim você pode ler no De tarde fui nadar, este texto: Duas reflexões aleatórias em dia sem análise e um desejo perene. Se bater saudade, pode ir lá no Biscate Social Club e recordar: Enquanto. E tem muito mais Luciana lá no Cais de Saudades.