Newscoisa #17: Um desejo farol
Moço, apague essa candeia
Deixa tudo aqui no breu
Quero nada que clareia
Quem clareia aqui sou eu
Eu vou com muita sede ao pote. Quando se tem quase vinte, pouco mais, pouco menos, esses arroubos tem seu charme. Quando já se dobrou a idade, nem sempre é visto assim. Paciência. Eu sinto tudo antes do sentir ter tempo mesmo de chegar. Como um ensaio da felicidade que eu seria capaz de te oferecer e que eu sentiria. Sentirei? Nessa hora eu passo a bola. Quem puder, acompanhe o passo. Guarde o medo, nunca peço nem mesmo o que se espera dar. Desde os levianos 16, nada desejaria de ti senão seu desejo. Ou, como já se disse, nunca esperei perturbar mais que tuas pernas, teu sexo e tuas ideias, de encantadora arrogância. Já não tenho dezesseis, a memória me prega peças, mas fica aqui o aceno. Ou a única promessa possível:

eu vou te dar alegria
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Seria só um assim, cerveja ou café, um chegando no depois do outro, o passo entre o contente e o incerto, o abraço desajeitado dos corpos aprendizes, sem um saber de onde colocar mãos e desejos. O sentar quase ao lado, a mesa quadrada, os joelhos se tocando na ponta dos noventa graus. As palavras, que nunca serão lembradas com precisão nos futuros, servindo de véu, enquanto na língua que insinua sua ponta úmida, no bater mais acelerado das pestanas, no entreabrir da boca, na pequena dilatação do nariz, nos dentes que mordiscam os lábios, na voz um tanto mais baixa convidando à aproximação, confessam-se. Você não ia ler minha mão? E agora a gente acredita? Precisamos. Então, sim. O verso sobre a palma, uma pele seca e quente, a outra macia, o dedo percorrendo as linhas como se borrasse fronteiras. Entrelaçam os dedos, suponho. Pagam contas de bebidas que não beberam, comidas que não mastigaram, atendimentos que não precisaram, pois eram esperas e vontades e só. Vagam ruas. Procuram, enfim, reserva e meia luz e portas com chaves e camas, Num sem fôlego despem roupas e vidas lá fora e entrelaçam pernas e histórias. Sentem gostos e alegrias e se afogam e se perdem e se provam e se mordem e se tocam até que, quando já estão tão abraçados que não há espaço para culpa ou indecisão, se beijam. Sopro. Como se dessem a vida a uma frágil, delicada, rara possibilidade. E, libertados, morrem um pouquinho um no outro. E outra e outra e outra vez. No depois dos suores e cheiros e aconchego e cochilos, ela vê a réstia de luz avançar no quarto e tocar um pequeno franzir na testa dele e, antes que a preocupação que chega vire tristeza, ela espana com os cabelos a ruga e desce esfregando nariz no nariz e morde o queixo e beija o peito lá onde o coração soluça e distribui risadas e roupas onde foram carinhos. Se os corpos que voltam pro mundo não se roçam nem num acaso, é que já não precisam, tão dentro um do outro. Na frente do mesmo bar, um abraço, com corpos que já se sabem, nem despedida nem promessa. O incêndio de um amor.

"desejava, queria no precipício abrir minhas asas"
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Mas o que eu quero mesmo é dizer a coisa certa, chegar na hora exata, conhecer os atalhos. O que eu quero mesmo é a noite clara, a cama quente, a estrada larga. Quero mesmo mastigar com calma, ver no escuro, sorrir com os olhos. O que eu quero mesmo é aprender a andar pé ante pé, não sorver a vida em grandes goles nem contar as horas pra trás. O que eu quero mesmo é sentar de pernas cruzadas, falar baixinho e saber desenhar. Quero mesmo minha própria coleção de (in)certezas e um baú de histórias. Quero é um relógio que me segure a mão e não me deixe chegar antes. É que me acostumo rápido demais com as alegrias. Velejemos.

“Simplesmente eu sou eu. E você é você. É vasto, vai durar.
O que te escrevo é um “isto”. Não vai parar: continua.
Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo.
O que te escrevo, continua, e estou enfeitiçada.”
(Clarice - mesmo, mesmo)
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“Amar é voltar molhado
Das águas do mar sereno
Queria ter te encontrado
Antes do passado
O tempo é pequeno
Amar é guardar no bolso
Canções que ninguém escuta
Um leve sabor de fruta
A cor que te faz mais moço
É fogo que se improvisa
(...)
Amar é tecer segredos
Cuidando de quem se ama
É sempre acendendo a chama
É longe de todo medo
É pássaro é prenda é prata
É sombra é silêncio é sono
Amar é jamais ser dono
É febre que não maltrata”
Dá pra trocar amar por querer e assim nem eu minto nem você corre.
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E um coração, você não tem ou não tem medo de perder quebrar, machucar, magoar? É que eu tenho minha própria terra vermelha de Tara. Só que menos estável, é azulzinha, cheia e vazante e sabe a sal. Assim, acredito que no outro dia, que será sempre um amanhã, pensarei nisso. Irei ao mar. Pra ficar ali, curtindo pele e segura de que seu vai e vem me trará de volta pra mim. Ou me afogará de vez.
Palavras que fazem sorrir: rabissaca, cangote, rosa, abismo, ressaca.
Entreabrir a persiana ou escancarar a janela não faz diferença, será dia enquanto for e, depois, não mais. Vale o mesmo para o desejo, penso.
Não quero fazer suposições, mas acho, acho mesmo, viu, que eu devia cantar que nem o Ney:

"A tua boca anda oca da minha língua"
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Do conversê com a Renata, uma mexida em gavetas com cartas e postais amarelados e aquele tipo de sentir antigo, saiu o post Na Fossa, que está lá no À tarde fui nadar. E como uma braçada puxa outra, a Renata Lins escreveu Umas migalhas da volta.