Newscoisa #20: Moça, Moço
Newscoisa #20: Moça, Moço

Status: indo longe demais.
O corpo mandando mensagens e eu desabilitando a notificação pra fazer de conta que não estou informada.
Eu escrevo à mão, sabe. Já tive letra redonda, bonita, vistosa. Ainda mantenho a sombra. E o afeto que se inscreve em cada risco. Mais uma mensagem na garrafa esperando ser encontrada.
Onde aperta a tecla de voltar todas estas palavras que eu não estava pronta pra dizer, você não estava pronto pra ouvir?
Nossos apelidos reais: moço, moça.
Sonho, sonho sim.
Palavras que fazem sorrir: elefantinho, sinastragem, bobó.
Eu, Charlie Brown, o carro velho e o riso.
O Dean Martin é que tinha razão.
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Eu não sei contar, eu não sei cantar, não sei costurar, bordar, tricotar, trocar pneu de carro. Eu não sei o nome das esposas do Chaplin, do Vinícius, do Henrique VIII, eu não tenho cultura geral, conhecimento específico ou uma boa enciclopédia. Nunca aprendi outra língua, outro código, outro ofício. Às vezes, suspeito, ofício algum. Eu não sei o que é preciso saber, nem o que é bom, nem o que se esconde nas entrelinhas ou atrás das linhas inimigas. Eu não sei o nome daquela orquídea nem dessa canção. Eu não conheço as estrelas, as ruas, os rumos. Eu não sei que dia é hoje, o tempo certo, a hora exata. Eu não lembro as histórias, os quadros, as cores. Eu não sei dobrar guardanapo, fazer recheio, arrumar a mala. Eu não sei o lema, não tenho brasão nem antepassado ilustre. Eu não sei qual é o vinho, o acento, o instrumento. Sabe aquela cantora famosa da década de 20? eu não sei. Sabe aquele tempero indiano que combina perfeitamente com o frango? eu não sei. Sabe aquele balé, aquele concerto, aquele filme, aquele poema? eu não sei. Sabe aquela, essa, esta, a outra teoria? não, não, não e não. Eu não sei, eu não vi, eu não li, eu não ouvi, eu não conheço, eu não lembro. Das pouquinhas coisas que sei: sei que a Debora Kerr que o Gregory Peck.
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Eu plantei uma árvore, eu escrevi um livro, eu tenho um filho. E, entretanto. Pois é, Freud é quem tinha razão.
Chorei baldes com o documentário do Caetano. “Cantor de músicas de protesto de cunho subversivo e desvirilizante”. A gente ri porque é o jeito, mas que tristeza pensar que tá tudo aqui na esquina, ainda.
Cada um lida com a pulsão de morte do jeito que dá. Eu:

O mar é minha terra vermelha de Tara. Ele pode estar tranquilo. Eu também. Pode sofrer tempestades. Eu também. Pode ser claro e transparente e parecer não ter perigos. Idem. Pode ser misterioso e parecer não ter saída. De novo. Mas ele se contém. Maré cheia ou vazante, é ainda a mesma água, mesmo percurso, o mesmo. Eu permaneço. E é sempre outro, transformado pelo que nele habita. Também eu: um mundo submerso. Quero ser navegada. Quero banhar. Quero chegar, mansa, em espuma branca e beijar suave a areia. Quero chegar, em assalto, alta, te cobrir e deixar sem fôlego. Quero não precisar dizer, letra a letra: acompanhe a tábua das marés.
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Spoiler: eu já mergulhei em um vulcão. É real, mas serve de metáfora.
Tomas estava coberto de razão, metáforas são perigosas e eu não devia ter te inventado em mim.
"Nas línguas em que a palavra compaixão não se forma com a raiz ''passio = sofrimento'' mas com o substantivo ''sentimento'', a palavra é empregue mais ou menos no mesmo sentido, mas dificilmente se pode dizer que designa um sentimento mau ou medíocre. A força secreta da sua etimologia banha a palavra de uma outra luz e dá-lhe um sentido mais lato: ter compaixão (co- sentimento) é poder viver com o outro não só a sua infelicidade mas sentir também todos os seus outros sentimentos: alegria, angústia, felicidade, dor.
Esta compaixão (no sentido de soucit, wspolrzurie, Mitgefühl, medkänsla)
designa, portanto, a mais alta capacidade de imaginação afetiva, ou seja, a arte da telepatia das emoções.
Na hierarquia dos sentimentos, é o sentimento supremo"
(A Insustentável Leveza do Ser - Kundera).
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Tem belezas que marcam a gente de um jeito difícil de descrever. Na minha vida, uma delas é o balé De repente, não mais que de repente, encenado por volta de 1995, 1996 pelo Balé da cidade de São Paulo. Queria demais encontrar o registro completo do especial que passou na TV Cultura. Só encontrei, até agora, fragmentos (com filmagem de qualidade duvidosa) e ainda me toca. Fica aí de desafio pro Universo.
(acredita em mim e assiste)

Outras belezas que eu trago na algibeira e deixo com carinho: esse álbum do Seu Pereira e Coletivo 401, especialmente a primeira canção (eu não sou boa influência pra você) e a divertida Gotham City Love; o documentário Dorivando Saravá - O Preto Que Virou Mar, na In-Edit Tv, o textinho mais querido do mundo, O Poder Ultrajovem, do Drummond.
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E como a teoria na prática fica mais doída e a pele, sensível, tirei o pó desse meu texto que vive lá no Biscate Social Club: Uma Receita Para o Amor (apesar do nome, tem mais Almodóvar que lacinhos cor de rosa). E no De tarde fui nadar temos texto da Eugenia: Aqui, Assim e o meu Acalanto, coisinhas sobre o meu sono que não puderam ser cartas, são confissões.