Newscoisa #31: Nunca te direi
Newscoisa #31: Nunca te direi
Sentir mais a presença da sua ausência do que sentir você não há de ser um bom augúrio.
Você dói, eu escuto Salmaso, faço lágrimas cristais, bate o sol, o sofrimento a cores.
Era pra ser simples: riso, madrugada, conforto, uma vontade de contorno ambíguo, quem sabe a espera de algum beijo na boca, pouco mais, pouco menos.
A dor é minha, o samba também. Um dia eu vou achar que isso é alguma espécie de lucro.
Uma rede, uma caneca, uma brasa, uma pose, o morno, vou ensaiando o depois, aquele momento além do tempo em que você era uma boa história.
Incompatibilidade de gênios, disseram ao juiz: ela só sabe o bom, ele nunca se acostumou com a festa.
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Minha mãe fazia bonecas com sabugo de milho.
Meu avô esculpia cavalos na palha da carnaúba.
Eu inventei um você pra amar.
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(André Tecedeiro)
“Alimento da fome que desejo perpétua
Jonathan é minha comida”
Já estive em tantas esquinas que me esqueço nas ruas: asfalto, calçamento, barro. Agora piso no nada. Ou ainda: transitamos em letras. Uma nova geografia dos encontros. Deseje-me sorte, eu digo, mas queria mesmo era escrever: deseje-me. Queira. Isso e aquilo. Forte. Agora. Enquanto. Anseie. Mas não escrevo. Não isso. Escrevo a dificuldade de dizer. E espero que você adivinhe.
Porque eu preciso tanto. Preciso: acreditar que é possível. O quê? Um encontro. Com um pouco de sorte: o encontro. Ou apenas: que você me saiba. Que você me leia. Que você me diga. Que você esteja. Na volta. Envolto. Em borrões o que não é letra. Suspiro. Escrevo no guardanapo: me aproveita enquanto estou querendo ficar. Rasgo em tirinhas. E coloco izmália a cantar tão alto para que eu não escute minha própria vontade.
Rodopio com a lua. Entorno o vinho. Faço uma fotografia em preto e branco da alça da minha camisola vermelha e envio com um email desaforado dizendo que se você quiser mais cores, pinte por aqui. Acordo com vergonha da legenda óbvia e torço pra ter escrito o endereço errado. Não escrevi. Até quando acerto eu me saboto.
Com o sol, a distância que a gente faz de conta que não, grita que sim. Eu repito seu nome como um mantra, pra você permanecer existindo mesmo quando não é. Vejo os trilhos e deslizo no óbvio, siga a trilha e me encontre na próxima estação: será primavera. Eu acredito em fadas e bato palmas, eu acredito em você e rio alto, as pessoas me olham esquisito. Eu percebo o incongruente: fadas, coelhos com ovos, bruxas em vassouras, você. Escrevo uma ação de despejo pra ver se me livro do peso no peito. Inútil, logo estou vasculhando os sinais. Verde. Ver-te. Fico esperando uma palavra. Parada, pregada na pedra do porto. Uma palavra. Esperando. Qualquer palavra. Pra você existir. Em mim.
(Quando era outro, sendo o mesmo, esse texto: Virtual. Quando eu era a mesma, sendo tão outra)
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Estava escovando os dentes, me olhei no espelho e lembrei de um ex que me dizia que tinha sentimentos muito confusos quando eu estava cansada ou sofrendo, porque eu ficava estranhamente atraente, de uma beleza desconhecida, incômoda, estrangeira, uma beleza não aparentada com a beleza que ele via em mim quando eu estava contente/sorridente/cotidianamente, da beleza que o tinha cativado, da beleza com a qual ele se acostumara a apreciar. Como se eu fosse uma outra mulher que ele inesperadamente vislumbrasse e sentisse a fisgada do desejo. Encarei a mulher no espelho, estranhei seus traços, e me pareceu que ele tinha um pouco de razão. Não sei direito quem ela é, assim abatida, mas tem seu charme.
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Eu sou todos esses bonequinhos.
Você, oceano
