Newscoisa #33: Desperdícios
Das coisas difíceis de aprender: a paciência. Entender que o tempo das coisas não é o meu tempo. Entender? Aceitar.
Escolhendo o silêncio. Calar os afetos, os caminhos, os desejos. Não como quem reprime, mas como quem guarda energia e forja instrumentos pra abrir estradas outras.
O calendário me conta que vem chegando 2021. Dou de ombros, como os heróis daqueles romances de banca. Continuo acordando no meio do sono, chorando. Continuo com raiva, muita raiva. Continuo evitando os paliativos, os pequenos curativos, os consolos e confortos. Continuo doendo. Continuo.
O resto do mundo está vacinando e, sim, eu fico contente por eles. Por cada pessoa que não vai adoecer, sofrer, morrer. Pelo descanso dos profissionais ligados ao cuidado. Por todo mundo que não vai perder alguém. E fico triste, muito triste, pelo desamparo dos que não tem este horizonte. Nós, no caso.

***************
Fui tão rápido que me desencontrei de você. E de mim.
Eu queria te ensinar o riso. Você me ensinou a tristeza.
É o desperdício que me incomoda, mais que tudo. Da lembrança linda que eu podia ser em você.
luciana, você é muito convencida. Sou não, gente, sou uma delicinha – e sei.

********************************
Você se adivinha? Eu, sim. Antecipo, em palavras, o sentir. Revisito textos como quem acolhe o inevitável das profecias. Como sabia Yourcenar, eu te amava antes. Eu te amava sempre. No começo do tempo, já estava o meu abandono e a tua morte. Afio o machado, esquento a água para o banho, sustento teu corpo que amolece nesse último abraço e ecoo teu suspiro. Ou, como dito: Porque ela acreditou, bordou camisola, bateu colcha, abriu janelas. Acendeu a lenha no fogão, fez fogueira no terreiro, deixou a pele em brasa. Porque ela acreditou, criou trilhas, espalhou mensagens em garrafas, deixou feijões e sonhos como guias. Porque ela acreditou houve meninice nos olhos e antiguidade nos gestos, ansiosa expectativa, jogos, cartas e risos. Porque ela acreditou fez o dia correr pra noite e o sol se vestir de suave negro pra espiar o que ela soletrava como felicidade. Porque ela acreditou a ninguém culpou quando o nada se fez e foi fel que ela bebeu em grandes goles. Aceitou as sombras, aceitou a dor, aceitou a cama fria. Porque ela acreditou arrancou o coração com as mãos nuas, chorou o sal sem soluços e deixou-se morrer sem suspiros.
Preciso lavar roupa, recolher xícaras, trocar o lençol da cama, aspirar os cabelos que fazem redemoinhos pelos cantos do quarto. O que faço? Compro cadernos de capa fofinha.

Inspirada pela Fal, encomendei o que estou considerando meu primeiro panetone (não vou contar a experiência desastrosa com rum e sorvete de um natal há muito esquecido), desses de supermercado mesmo, botando fé que se não tenho mais nenhum desejo na vida, vou pelo menos desejar panetone. Estou me sentindo ridícula? sim, mas nem é o pior. Estou me sentindo oca. Resolvi estudar, aprender uma coisa nova. Tô estudando? claro que não, mas o tanto de dinheiro que já gastei em livro, caneta, caderno novo pra fazer anotação, etc, vai deixar meu cartão no vermelho até junho. Inclusive agora estou desejando comprar velinhas perfumadas. Também culpa da Fal. Anota aí nas dívidas cármicas.
O que você vai fazer nas férias? Dormir.
****************
Mas se você quiser, eu quero.
******************
E lá no Cais de Saudades tem um texto sobre, sei lá, série antiga, casalzinho fofo que já não é mais, gente bem intencionada, o doer dos dias e aquele meu jeitinho teimoso de seguir.
