Newscoisa #37: O trigo
Newscoisa #37: O trigo
"Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão.
O trigo para mim não vale nada.
Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste!
Mas tu tens cabelos dourados.
Então será maravilhoso quando me tiveres cativado.
O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. "
Uma das coisas que sabemos, eu e a raposa: acaba. A vida traz, a vida leva. Sabemos a despedida, as lágrimas. Sabemos a solidão. Sabemos a dor, lancinante. As noites sem dormir. A comida sem gosto. A sensação de membro amputado. Outra coisa que sabemos: permanece. Na memória e, quando não mais, na pele. A cor do trigo, isso permanece. Se você e a raposa sabiam a dor, porque quiseram, luciana? O que ganharam? Ganhamos a poesia. O mágico efeito de uma coisa que era apenas mais uma, o trigo, por exemplo, passar a nos emocionar, comover, encantar. Ganhamos o sentido. Ganhamos o sorriso solitário e misterioso por uma lembrança tão íntima que sequer pode ser nomeada. Ganhamos a saudade. Tem o futebol, por exemplo. Eu gosto do jogo, de cada partida, das jogadas, dos gols. Gosto mesmo. Mas é muito mais que isso. Futebol é a cor do trigo dos cabelos do meu pai. Ou as castanhas portuguesas. A ninguém mais vai saber como sabem pra mim. Mas isso, agora, foi muito além, você transformou o mundo num campo de trigo.

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Eu não sou do branco ou preto, pão, pão, queijo, queijo. Então eu consigo, sim, ficar emocionada com o impacto simbólico da primeira pessoa vacinada no Brasil ao mesmo tempo em que sei que o número de doses é irrisório, que faltam insumos pra produção nacional, que o governo federal vai fazer de tudo pra atrapalhar o avanço do plano de vacinação, que o Dória tá surfando no marketing e que é um escroto e mais, ainda consigo me preocupar com o aumento de casos no futuro próximo e a consequente sobrecarga do sistema de saúde, al[em de continuar falando da importância de manter o distanciamento social, de ventilar os ambientes e de usar as máscaras melhores e da maneira mais adequada.
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Eu sempre vou amar esse amor que eu aprendi a sentir. Mas é hora de deixar a vontade ir e ficar só a melancolia agridoce do bonito que podia ter sido.
A Fal é uma bruxa e mesmo vivendo uma vida totalmente diferente da minha, mesmo agindo e reagindo de maneira diversa do jeito que eu ajo e reajo, mesmo sendo muito mais sábia, muito melhor pessoa, muito mais tudo e qualquer coisa, mesmo com tudo isso ela consegue escrever o que eu não sei. Quando leio o que ela escreve, lembro dessa confissão da Bethania: “A Dalva tinha coragem, um jeito de cantar no palco que até uma época eu só tinha coragem de cantar dentro da minha casa”. A Fal é minha Dalva. E esse post é o bilhete que eu nunca vou escrever: “Volto a falar com você como quem pisa em ovos, mas também em flocos de algodão. Volto a falar com você como quem volta aos soquinhos, aos soluços, aos sorrisos. Volto a falar com você como quem volta quase sem querer e a toda velocidade, com cuidado e esbarrando nas coisas, derrubando pratos, tropeçando nas flores do tapete, desmaiando de calor, fazendo um barulhão e acordando o cãozinho. Volto para você baixando as músicas que adoro, sem conjugar o verbo “nosso”, sem pensar no que encontrarei”. Vão lá no Drops da Fal, vão.
Cada dia mais as músicas do Chico Buarque fazem sentido. Já recebi todos os sinais e eu estou como? Bem assim.
Não dá pra descrever a humildade que eu estou sentindo. Tudo para o que eu torci o nariz, tudo que dispensei com um aceno displicente, tudo que intimamente considerei bobo, ingênuo, fraco, todo sentir que achei superável, esquecível, subjugável, tudo isso numa onda que me afoga.
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Ainda assim, batom, salto vermelho, brinco, decote, saia esvoaçante e um andar meio salto meio dança.
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Você ainda está escrevendo no Cais de Saudades? Pois estou. Vai aqui ler o desabafo.