Newscoisa #43: Kintsugi, Katsudon, Geisha, Queixa
Newscoisa #43: Kintsugi, Katsudon, Geisha, Queixa
"O amor vence tudo,
mas o tempo vence o amor"
Meu tio, que talvez seja um pouco mais bem informado ou perspicaz que o Pierre Mignard, sempre falou: o vento, o tempo e o álcool. Correto demais, meu tio, sob o jugo de um desses (e nem vamos falar dos três juntos) não fica nada.
Assisti a pior série já feita em todos os tempos. Nem tentem tirar da cachola alguma memória pra competir, nada pode ser pior que Inumanos. É ruim e não daquele tipo tão-ruim-que-fica-bom. Não, é ruim daquele tipo meus-deuses-que-desgraceira-que-desperdício-que-marmota. E eu assisti todos os péssimos oito episódios. Alguém ainda vai entender – e me explicar – porque eu não consigo me concentrar nem 15 minutos em séries boas ou excelentes, novas ou que já amo, e consegui ver 8 episódios de 45 minutos - em três dias! - da pior série já feita em todos os tempos. A única coisa razoável é que as legendas vêm com “sotaque” de Portugal. Fazia tempo que eu não ouvia/lia um belo “ena”.
Ninguém usa viçar como um cearense.
Eu tenho muita sorte de ter na vida muita, muita, muita gente querida e generosa. Fui e sou bem tratada. Obrigada, gente. Ainda assim, pouca coisa me chegou tão certo, tão fundo, tão bem, quanto essas garrafinhas de vinho tocando minha campainha.
Eu falo sempre do amor feinho, mas o amor barato me realiza demais. Diria mesmo, acanalhado.
Comecei ontem a rabada que vou almoçar amanhã (isso não é uma metáfora).
**********************
Cronos corta as asas do Cupido - Pierre Mignard (1694)
Com teu silêncio teço uma crisálida às avessas onde recolho as coloridas asas e volto à lagarta, passo a ovo e retorno à matéria que apenas é, sem saber e sem sentir a dor desse querer.
Não vejo a hora de não precisar lembrar de esquecer.
Como é mesmo? só dói quando eu respiro.
É que o Caetano já sabia essa história:
Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza
Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza
Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria
Você pensa que eu tenho tudo
E vazio me deixa
Mas Deus não quer que eu fique mudo
E eu te grito essa queixa
***************
Eu lia pessoas comentando que iam se afastar das redes sociais pra não ler tanta notícia ruim, pra não sentir tanta tristeza, e pensava que isso nunca ia me acontecer. E não aconteceu. Mas aconteceu. Não quero ser eu a notícia ruim, não quero mais dessa minha tristeza plasmada na tela dos meus amigos, ampliando ou fazendo ressoar a deles.
A idade. A psicanálise. A nordestinidade. Capra. Os livros. A miopia. A sorte. A indiferença. O mar. A sede. A escrita. Colcha de retalhos.
É engraçado (na falta de termo mais preciso) como tenho me dado bem com japoneses: Banana Yoshimoto, Yasunari Kawabata, Haruki Murakami, Ryūnosuke Akutagawa, Kenzaburo Oe, Junichiro Tanizaki, Mishima, tem alguma coisa na escrita - uma elegância, uma suavidade, um eco - não sei nomear nem descrever, mas identifico e me comove.
No grupinho querido de afetos, discutíamos o que caracteriza a tal comida reconfortante. Rimos ao descobrir como andávamos em estradas diferentes. Pra ela é o tempero conhecido, hábito cultural, alho, cebola, pimentinha, intimidade. Pra ele é a memória afetiva, a comida trazer a sombra da mãe, da vó, da cozinha antiga, da conversa que é eco, recordação. Pra mim, textura e temperatura, uma comida desconhecida, de temperos pouco habituais, pode ser, pra mim, abraço, se vier em cumbuquinha, fumacinha no ar, algo cremoso, algo crocante, o morno desmanchando, no peito, a angústia. Bateria um katsudon, hoje, satisfeita.
******************
A saudade de Lisboa misturada com a saudade da felicidade vivida em Lisboa.
Recebi sua mensagem, baby. Mesmo que não cheguem todos os bilhetes nas garrafinhas, que os que cheguem te digam alguma cosia já me alegra. E, olha, falam que não tem cola pra coração partido, mas estou trabalhando no Kintsugi.
**************
Vocês já ouviram a listinha de músicas relacionadas com o livro Éter, 18 contos de batom borrado e outros anestésicos? https://open.spotify.com/playlist/3Bx18fEA94eJadNqaX68fn?si=aJz5wC97Q7mmyI9290HjKQ&utm_source=whatsapp
Fica aqui outra sugestão de beleza:
