Newscoisa #52: Lacan ou Letrux? Oftamologista
Newscoisa #52: Lacan ou Letrux? Oftamologista
Eu quase não lembro do que eu sonho. E não tenho sonhos recorrentes. A não ser esse aqui: eu e você, como se fôssemos Paulinho e Elza, no iate do Comendador:
- Que voltarei depressa tão logo a noite acabe, tão logo este tempo passe para beijar você
- E de uma coisa fique certo, amor; a porta vai estar sempre aberta, amor; o meu olhar vai dar uma festa, amor, na hora que você chegar.
(Luciana, você já publicou isso. Eu sei, eu sei, gente, desculpa, mas tem garrafinha que chega e tantas outras coisas que nunca, nunca bastam).
Imagens inéditas de mim, antes e depois de você:

Eu hoje sonhei com você. Oculista. Revelador, não? Como o lobo: É pra te ver melhor. E, sim, era tão macio seu cabelo.
Eu te gosto assim, o pacote todo, sabe? Eu não preciso que você seja mais. Ou menos. Não preciso do feliz, nem mesmo de um final. Não ligo pro peso da bagagem. Mas você, tão sabido, não entendeu que se cada um segurar uma alça, fica mais maneiro. E, no fim do percurso, a mala continua sua.
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Era simples, a sua vida. Muitos comentavam que ela ficava muito tempo dentro de casa. Estavam errados, ela estava dentro de si. Fazia bolos. Para a rua, as medidas certinhas, balança, molde, medidor. Nos dias sem entrega nem clientes, cozinha à mão livre. Nos labirintos construídos pela saudade, se perde e encontra o Minotauro, meio desejo, meio vergonha, que a devora e regurgita. Era simples, a sua vida. Difícil mesmo é morrer. Ou matar um amor.
Que saudades do tempo em que se tirava o telefone do gancho e jamais se sabia se o silêncio e a solidão eram porque o outro tentou falar e não conseguiu ou se ele realmente nem ligou.
Quando você disse o que disse, meu coração deu aquela falhada sabe (sim, você sabe, eu fui literal e mostrei o aparelho de medir a pressão).
Eu nunca esperei futuros. Mas queria uma viagem, uma tarde, muito riso, pouca roupa (nenhuma, de preferência). Outra tarde? Um comecinho de noite? Sempre as frases que se completam. Depois a cena do táxi. Pode até chuviscar.
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Um dia terei coragem e perguntarei se você quer ou não ser amado. E que não haja engano nem distração com a suposta passividade implícita no “ser amado”. Há uma atividade anterior, que é assumir o desejo. E não, não tem relação com você me amar. Não se pode decidir sobre isto. Mas você pode escolher (me) receber. Se puder lidar com. Um dia, terei a coragem. No por enquanto, recupere o fôlego.
"Só existe amor por um nome, como todos sabem por
experiência própria. No momento em que é pronunciado o
nome daquele ou daquela a quem se dirige nosso amor,
sabemos que esse é um limiar da maior importância."
(Lacan)
X
"Ninguém perguntou por você
Eu ri, te citei mesmo assim
Como quem não quer nada
Já tive tudo com você (...), na minha cabeça com você
(...)Lance livre imaginário, a gente só serviu no sonho
A gente só prestou dormindo, amor fantasma camarada"
(Letrux)
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O mais triste de manhã não é tatear o lado frio da cama. É sentir o lado frio do coração.
Você descobre que é muito, muito ruim de conselho quando tudo que tem a oferecer é a oração do AA. Sem a parte do Senhor.
“Você não sabe quanta coisa eu faria por um sorriso seu”. Não te culpo, eu também não fazia ideia.
A gente sabe que deve ficar com um pé atrás quando o analista que é quase um estereótipo diz, diz!, olha, não é por nada não, mas pensa aí em se proteger.
Eu não tenho culpa se é assim quando a gente conversa:

(Ilustração de Yuval Robichek)
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Queria escrever em uma língua desconhecida. Porque preciso escrever. Mais: preciso enviar o escrito. Mais, ainda (piadinha interna, pode?): preciso que você leia. Mas não quero que você entenda.
Tem estes realitys, tipo o The Circle, em que a pessoa tem que falar em voz alta o que pensa, sente, o que planeja fazer, etc. eu acho legal a naturalidade com que fazem isso. Moro só há muitos anos e nunca consigo falar sozinha, em voz alta. Diria que nunca falei sozinha. Mas eu e você sabemos que isso não é verdade.
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“Mas acho que amor não é cursinho pré-vestibular.
Ninguém encontra seu nome no listão dos aprovados.
A gente só fica assim.Parado olhando a medida do bonfim no pulso esquerdo,
lado do coração e pensando, pois é, vejam só, não me valeu.”
Caio
(e eu, e eu, e eu)
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Para Renata Lins, Fernando e Camila, que disseram que leriam a próxima garrafinha, isso começou assim e terminou em seis folhas, ainda em andamento:
Rituais. Será que surgem na história da humanidade, com dois agás maiúsculos como foram aparecendo na minha vidinha, com letras cada vez mais minúsculas? Chegar em casa, por exemplo. Sempre as mãos ocupadas, empurrar a porta com o quadril, chaves chacoalhando, jogá-las no aparador junto com a bolsa que desliza pelo ombro e, no malabarismo das sacolas que alternam de mão pra mão, pousa certinho próxima ao vaso que recolhe rolhas de vinho e, displicentemente, serve de adorno na sala. Próxima etapa, acender a luz com o cotovelo, mais dois passos para soltar os pacotes no sofá. Se forem compras de mercado, os passos triplicam, opa, desviar da mesinha de centro, da poltrona floral, movimentos de um balé contemporâneo, sacodir as sacolas na mesa da cozinha.
O denso silêncio da casa vai sendo cortado pelos ruídos do meu existir. O suspiro de alívio ao desabotoar o sutiã. O outro, mais longo e profundo, ao tirar a máscara. Engraçado isso, quando a máscara se impôs às rotinas, era a primeira coisa que eu tirava ao chegar em casa. Quanto tempo faz? Doze, treze anos? Outra vida, aquela em que o rosto andava nu. O nariz passou a importante zona erógena, conhecer o sorriso de um novo alguém é ponto alto de intimidade. O sutiã, paciente, esperou o costume, apertou como sempre e retomou o posto.
Mais barulhinhos, o seco do salto dos sapatos chutados pro lado. A respiração meio pesada do esforço. Das sacolas? Das tarefas do dia? De existir? O ranger suave da porta da geladeira e aquele zumbido que parece vir das próprias comidas, zangadas de estarem largadas no escuro o dia inteiro. Pego a garrafinha de água e a não tão inha, de vinho. Bebo a água em longos goles, como se pudesse afogar o anseio que, pontual, se apresenta. Quero correr para o celular, vasculhar redes e aplicativos, mas resisto. Faz parte do ritual. Como na antiga propaganda: “provoque a sede até não aguentar mais”. Ao meu redor, o deserto.
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Éter: 18 contos de batom borrado e outros anestésicos,
agora a sem-vergonhice saiu do papel ;)
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