Newscoisa #61: Não é sobre Olimpíadas (sério, nem como desculpa)
Newscoisa #61: Não é sobre Olimpíadas (sério, nem como desculpa)
"A exceção não confirma a regra, como se diz gentilmente,
ela a exige; é ela que é o verdadeiro princípio."
(J. Lacan, Sem. IX)
O olho humano tem um ponto cego no seu campo de visão. Um ponto da retina que não contém receptores de luz, também chamado de escotoma (sim, eu pesquisei). Usamos o termo pra falar daquele ponto que não enxergamos, mesmo quando estamos vendo tudo o mais de maneira adequada. Uma parte do mundo que nos escapa.
Um ponto cego não é conscientemente percebido, claro. Não sabemos o que não podemos ver. Como metáfora, geralmente encontramos a expressão relacionada a algo essencial que passou batido, uma situação da qual não nos demos conta. Vacilamos, alheios à sua importância. Ou ainda, em uma outra vertente interpretativa, ponto cego sintetiza o que nos negamos conhecer, o que evitamos, o que preterimos ante o que convenientemente escolhemos ver, o oposto do que fixamos o olhar. O ponto cego é escamoteado para que sigamos encarando o que mais nos apetece, o que melhor se encaixa nos nossos planos e experiências.
Assim, o mais comum é relacionar a ideia de um ponto cego a uma falha, à compreensão de que ele nos priva de coisas que não deveriam ser desconhecidas ou ignoradas. Coisas que deveríamos saber. Coisas com as quais deveríamos, sempre, lidar. Há na noção mais disseminada de ponto cego - mesmo que sutil, latente - uma advertência contra o não saber. Se há ponto cego, fique alerta, viva atento, uma coisa qualquer está acontecendo e não se pode ignorá-la.

Não sabemos o que não podemos ver, eu disse, mas sabemos, ao sabermos que existem pontos cegos, que esse algo não sabido existe. Isso me incomodou, por um tempo. O objetivo: ver, conhecer, saber. Eu tentei dar conta. Insisti. Vasculhei. Pesquisei. Observando, lendo, conversando, coletando informações, ouvindo, procurando um como. Olhando pra dentro, escarafunchando desejos, medos, segredos, fomes, sonhos. O que havia para saber não devia ser sabido? – a questão me acompanhava. Não é uma questão de necessidade saber o ponto cego e eliminá-lo? – eu seguia, disciplinada, tal propósito. Tentava, e tentava com afinco. Era preciso ver e eu partia atrás, míope de alma que me fiz.
Hoje, respiro lentamente e sorrio. Aprendi que um ponto cego também pode ser uma forma de cuidado com nós mesmos. Tenho vontade de pôr aquela luciana no colo, afagar-lhe o cabelo e dizer: repouse. Sossegue. Deu tudo certo. Olha só, chegamos aqui, todas nós que fomos e sou. E estamos bem. Ou, pelo menos, viva e linda.
É preciso saber que temos um ponto cego. Eu sei. E que ele, eventualmente, vai me fazer deixar passar algo. Que, de vez em quando, pode me fazer atropelar alguém que estava ali, onde não pude ver. Que pode me fazer escorregar, tropeçar, bater a cara na coluna. Mas também precisei reconhecer que não é necessário ver tudo, saber tudo, evitar tudo.
O ponto cego, muitas vezes, está nos protegendo do excesso. De conhecimento, de informação, de luz. Descanse, moça.
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E tem dia que o céu mais azul nos parece cinza, cinza. A soma de todos os medos. Ou quase todos. A incerteza. Não saber ao certo o que dizer, como fazer, por onde seguir. Não ter ninguém que decida por mim. Olhar o espelho e saber: eu. E ter uma angustiante percepção que não sou o bastante. O suficiente. Chorar seria bom, mas não há tempo pra isso. Em filmes, as avalanches, inesperadamente ruidosas, tem sua beleza. Aprisionam o olhar. Mas o belo é o véu que esconde o horror, sabemos isso com mais precisão quando estamos lá embaixo, vendo pedras e neve, implacáveis e amorais, em nossa direção. Escapar é possível, eu sei, um passo em qualquer direção e a vida segue. Mas nada apaga aquele minuto de morte em que percebemos a avalanche se aproximando, sem respirar.

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Continuo escrevendo e escrevendo e escrevendo no blog. Cais de Saudades e lá atracam variados sentimentos. Da última newscoisa pra cá:
Queda livre: o poderoso chefão, rosés, o oceano, filmes do Nicholas Ray, uma lista de coisas necessárias e até ciúme.
Paulinho da Viola, Hiroshima e outros vazios: ler M. Duras, receita de bacalhau com batatas, entrando no clima olímpico e um pedacinho comentado de Hiroshima, meu amor.
Desinventar e outros quitutes: o primeiro dia do resto da vida sem ele, o silêncio, um amor inventado (e não são todos?), um moço bonito e uma massa com espinafre e bacon.
Ecos do diarinho da Fal, sem gelo: tem dias que e porque eu escrevo, como eu escrevo e uma farofinha de cuscuz.
Que jogo é esse: envelhecimento na live da Tina, desilusões, azar no jogo do amor, Adélia, camarão e molho pesto.
