Newscoisa #65: Bonita por dentro
Newscoisa #65: Bonita por dentro
“Acender as velas já é profissão, quando não tem samba, tem desilusão”
Eu não gosto de ir ao dentista, ginecologista, de bater raio-x, de fazer exame de sangue. Não gosto que me vejam por dentro. Tenho dois medos que parecem se opor, mas suspeito que são o mesmo. Tenho medo de que achem alguma coisa errada. E tenho medo, igual, de que não encontrem o que eu sei que lá está.
Sombra. Ruptura. Vazio. Oco. Torto. Sujo. Escuro. Viscoso. Quebrado.
O medo não é de que encontrem um tumor ou uma cárie, mas que saibam que eu sou falha, errada, defeituosa. Ou ainda, onde sou defeituosa, errada, falha. É esquisito, reconheço. Sei que não podem encontrar o que é intangível. Não tem lógica alguma, mas sigo me esquivando o quanto posso. Adio consultas, perco solicitações de exames, esqueço de ir buscar os resultados.
Ao mesmo tempo, insisto em revelar-me: escrevo e falo. Muito. Exercito, com regularidade e amplitude, o que me vira do avesso e traz à luz o que não quero que saibam. Blog, newscoisa, livros. E mesas de boteco, quando botecos havia (eu sei que ainda se vai a bares, mas eu não vou, pandemia etc, e tal como no romance A Convidada, da Simone, se não habita minha consciência e experiência, nem existe).
É que assim, segurando o monstro pela mão, parece que consigo lidar. Talvez o que me assusta não é apenas que vejam, mas que vejam o que não posso ver. Que saibam antes de mim. Vou me enredando em hipóteses e teorias como quem se aproxima do centro do labirinto, não para encontrar a resposta mas para ser devorada.
Então, insisto em tentar desvendar e (d)escrever essa que quero dar a ver, mas sei, com absoluta precisão, que estou dando corda pra me enforcar. Ainda assim, não consigo resistir. Como é mesmo? A gente encara o abismo, ele dá uma piscadinha de volta? O que quer que se diga, diz-se sobre nós mesmos – seja em conteúdo, forma, timing – de maneira incontornável.
E o que escapa nem são os grandes pecados que incitam a imaginação: alguma soberba, uma exaltada luxúria, a gula de viver e provar, saborear, regalar-se. Nopes. São os as pequenas mesquinharias, o titubear hesitante, as desatenções, a letargia. Só as desagradáveis inconveniências. Por exemplo, ser a pessoa que usa regalar-se e no só depois percebe que é palavra fora de uso e que já não cativa, mas de teimosa, deixa.
Quando eu era mais jovem ainda tinha a tampa de fazer a piada: "ah, bonita por dentro? Que maravilha uma boa estrutura óssea" só pra não me deparar com o que me passeia: por dentro não sou bonita, rosa e branco, suave, um quadro delicado. Não. Nem nenhum outro tipo de beleza puro, apenas apreciável, sem incômodo ou certa gastura. Aqui há lama. E quanto mais conheço pessoas admiráveis, inteligentes, bem-humoradas, sagazes (do tipo que, sei lá, transforma palavras em bela conversa, como se fossem a folha de papel alumínio que cobrimos a travessa com lombo e colocamos no forno e, de repente, a carne está tenra e suculenta e gostosa e tal e tal), mas percebo minhas enormes rachaduras.
Sei que todos somos em construção. Sei da incompletude. Do buraco. Mas sei, também, que o meu é sinalizado em negro. E, assim, cachorro correndo atrás do rabo: para ser amada, (me) digo e, ao dizer (me) desvelo os vãos por onde se esgueira a solidão (ão, ão, senhor capitão, espada na cinta – é feio quando uma rima quebrada entra no texto, não é?).
E o que eu quero mesmo deve ser simples e banal, só não é possível nomear, porque escapa. Tomara que em assovios, de vez em quando:

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Se eu pudesse te amar, fazia do coração, violino, e tocava as notas mais agudas. Se eu soubesse te amar eu mandava ladrilhar meu coração com pedrinhas de brilhante.
E abria o gás. #misturandoreferências.
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É entrar no mar e reencontrar o equilíbrio. Não é seguir com as ondas, não é a elas resistir. Nem demasiado solta, nem rígida. É se deixar mover, acolher que dentro e fora é apenas uma das formas possíveis de se organizar o espaço, antes e depois é só uma das formas de sentir o tempo. É ver o mar e ver-me, ser penetrada pelo cheiro de sal e longe e sempre e entender o que é preciso entender, esquecer o que demanda esquecimento, deixar ir o que já não deve ficar. O mar é o lar que faz sentido pra mim, quando longe do seu abraço.
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Faz um tempinho que não venho aqui,
mas tem sempre palavra ancorando e partindo do Cais de Saudades.
Todos os outros dias - um dos dias em que eu não morri.
Macia - Cabelo e pele macios e a conclusão de que minha alma é imensa.
Formosa - com a autoestima em dia.
Espelho, espelho meu - Ressentimento é uma coisa amarga. E grudenta. Viscosa, de um jeito negativo. Vai chegar o dia em que vou me esquecer de lembrar de esquecer. Vai sim. Por enquanto, trago esse travo nas palavras. Recordo envergonhada, o que eu disse, fiz, dei. Risos. O que digo, faço, dou. Se nego às cartas envelope e selo, não é por querer te privar do que quer que seja. Não tenho essa firmeza de caráter. Já ofereci tudo que tinha em mim. Palavras são o reconhecimento da falta. Não posso te dar o meu vazio.
A morte e outras rotinas - E aí, então, eu morri. Entre um silêncio e um emoji. Bom, não exatamente eu. O amor. Ou a crença que o insuflava. Uma brincadeira com dominós. Morreu aquele algo que sustentava o amor que me fazia existir. Tão bonitinha, ela. Pois é, morreu. Morrer dói, é a informação que eu trago aqui (como diria o moço do choque de cultura).
O funeral de Heitor - E foi assim o funeral de Heitor, o domador de cavalos, a lembrança delicada de que nem todos os finais podem ser felizes, mas o meu (ou o desse amor, que neste momento me parece a mesma coisa), posso fazê-lo nobre.
Peixinha - Uma breve digressão sobre meu signo, mas tem algum mérito, já que a Renata Lins elogiou.
Chico César, Eco, Camille, Fal, o moço da Polishop e um texto com soluço - eu falo mesmo dessa galera toda aí. e, ainda, de um amor entalado.
Pra que essa boca tão grande - Vale a pena, tem até o meme da petulância do cavalo.
Atropleamentos - repetindo, mais uma vez, que do amor só é possível fazer autópsia.
Uma praia na Itália e Verissimos pelos correios - Ganhei livros da Fal. Falo do amigo que gosta de sapatos vermelhos e mantem minha sanidade em dia. Além de ter uma foto minha em uma praia da Itália.
Pés. Aos seus. Barro. Chumbo.- Parei no diarinho em que ela disse que existem opções. Porque, a quem eu quero enganar, é mais fácil fazer de conta que ficar aqui, na tal pedra do porto, é destino. Ela está certa, existem caminhos, posso fazer escolhas. Não faço, mas aí o problema é outro.
Jabá e outras sugestões - Fotos de homens bonitos e várias sugestões de perfis do Instagram para seguir.
Salonpas e outros anestésicos - Minhas mãos geladas. A respiração forçada. Onde estão os balões de oxigênio?
