Newscoisa#69: strip tease
Newscoisa#69: strip tease
"a terra gentil das solidões compartilhadas"
é a frase do Simas que eu mais gostaria de ter escrito
Newscoisa 69, claro que eu pensei indecorosidades. Não encontrei nada mais adequado do que algum tipo de nudez. No caso, como a do meme, desculpa aí. Asseguro que, tal como a newscoisa anterior, n'est pas une pipe.
Eu não sou de torcer por casais na ficção. Bom, tem a Scarlett e o Reth, mas neste caso aí nem considero torcer porque tenho certeza que lá, na terra vermelha de Tara, ela encontrou solução pra tudo. Eu não sou de torcer por casais na ficção. Não torci nem mesmo por nós. Não torço nem mesmo nos meus filmes e séries preferidos, nem mesmo por Teresa e Tomas, eu não torço pra casais ficarem juntos ou se separarem ou whatever. Eu assisto, eu leio, eu vejo, eu acompanho, eu me divirto, eu sofro, eu até escrevo, mas eu não torço. Claro que você já entendeu que este preâmbulo é pra apresentar a exceção. Pois é, eu torci muito pela Bay e o Emmet, que são personagens de uma série juvenil sobre a qual você provavelmente nunca ouviu falar.

A série tem como mote a descoberta de uma troca de bebês na maternidade quando esses bebês já têm 16 anos e, para além dessa situação já complicada, uma das moças ficou surda quando era bebê, então acompanhamos a adaptação de vários personagens a uma convivência pouco usual além da inserção de vários adultos desorientados e descuidadamente preconceituosos ao universo surdo. No caso da minha torcida, Bay é ouvinte. Emmett é surdo. Eles são um casalzinho fofo que fica junto algumas temporadas até que um dia: vida que segue. E a vida que segue primeiro é a dele. Ou ele nota primeiro. E ela fica. E ela sofre. E as pessoas – todas muito legais – dizem a ela que vai passar, vai passar e tal. E, sabe, não adianta nada dizer. Ela se encolhe, se esconde, sofre em dobro, porque a ausência dele dói, e não só, dói tudo: ela sente falta do relacionamento, das conversas, da companhia, de quem ela era com ele - e sofre mais, sofre porque parece em desacordo, mal educado, indelicado da parte dela continuar sofrendo apesar de tanto cuidado de todo mundo explicando que passa, que acaba, que não é tudo isso que parece ser naquele momento. Apesar das boas intenções, do bem querer verdadeiro e do cuidado legítimo de todos que a rodeiam, ainda dói, vai passar, claro, mas naquela hora ali, não passou ainda. Dói, acreditem em mim.

Há sempre um tanto de gente com boas intenções nos momentos doloridos da minha vida. Todas lembrando que passa, que acaba, que não é tanto como parece naquele momento. Há até quem tenha usado essa lógica para sobreviver ao período pandêmico. E ao desgoverno. Se falo de desconforto, de angústia, do difícil que é viver cada dia, as pessoas, gentis e prestativas, me dizem que vai passar, que logo acaba, que é preciso sobreviver. E sim, eu acredito. Mas não adianta muito saber. Ainda dói. E me sinto indelicada, mal educada, fora de sintonia por não saber agir em consonância com todas essas tentativas e notícias boas que as pessoas gentis me trazem. Para evitar rudeza no comportamento, há coisas sobre as quais não falo. Escrevo, mas em uma língua inventada só pra mim. E me encolho, me escondo, dói em dobro. Porque, olha só, não passou ainda.
Switched at Birth tem 5 temporadas. Bay e Emmett se afastam na terceira ou quarta, já não lembro. Depois da quarta temporada teve um hiato enorme nas gravações e, quando lançaram a quinta, em 2017, eu não consegui achar por aqui. Depois de um tempo, fui esquecendo de procurar, embora me acompanhasse a tristeza de Bay e Emmett não terem ficado juntos, eles que eram tão companheiros, tão íntimos, tão reconfortantes um para o outro – e pra mim.
Estes dias eu encontrei a última temporada. Encontrei é jeito de dizer. Ela pulou no meu colo. Reencontrei Bay e Emmett e eles se reaproximaram. Não como interesse romântico um do outro. Mas eles se gostam e se cuidam. Amigos. No último episódio, projetando um futuro de sucesso como fotógrafo pra ele, ela diz: “E eu vou poder dizer: eu o conheci. Ele foi o meu primeiro amor!” e Emmett responde: “sim, ele foi”. É só uma série juvenil, mas quantos anos de divã as pessoas precisam para serem capazes de um diálogo assim?
É melancólico reconhecer que você não vai ler esta newscoisa, nunca saberá de Bay, Emmett e que você pode ser um você diferente do você que eu amei sem que eu deixe de admirar, sentir afeto e ser amiga. Eu tomaria uma cerveja com você e projetaria um futuro admirável, meu caro.
É isso. Tem essa série juvenil. Com esse casalzinho fofo que fica junto muitas temporadas até que um dia: vida que segue. A vida dele seguiu. E ela ficou. Ficou, ficou, ficou até não mais ficar. Não mais. Não tanto. Também ela, um passo, outro, dois pra lá, dois pra cá. Segue. Entra na dança. Na roda. E até sorri. Quem sabe, um dia, até diz, bem intencionada, a outro alguém que sofre: vai passar. Eu me abraço, me embalo e penso: que venha minha próxima temporada.
**********************
Recebi um email: O futuro vai chegar na sua casa! E eu pensei: putz, acho que não tenho nada pra servir.
Resolvi propor um novo tempo verbal: o futuro mais-que-perfeito.
É tanta entrelinha que já penso em com elas fazer um bordado.
É só: eu gosto de gostar de você.
É mais difícil deixar quem não sabe ser feliz sozinho, mas em algum momento a frase do Mark foi me buscar dentro da carapaça:

Eu sei que a gente só pode fazer isso mesmo. Pelejar. Arriscar. Entregar. Aceitar. Partir. Mudar a terminação verbal. Do “ar” essencial e intangível ao “ir” existencial e operativo. E se fica um vazio no corpo, arrumar um jeito de aproveitar a carga mais leve.
*************
Lá no Cais de Saudades: Um amor chamado Boromir