Newscoisa #71: Champagne e água oxigenada
Newscoisa #71: Champagne e água oxigenada
Não esquecer:
“a dor é minha, em mim doeu;
a culpa é sua, o samba é meu”.
Eu vou passar o ano sozinha. Eu e deus, diria se fosse uma pessoa espiritualizada. Não sou. Então, sozinha. Bom, talvez o Mendocinha apareça #entendedoresentenderiam #amaroVerissimo. Não foi uma decisão fácil de tomar, menos ainda de sustentar. Não ouvirei fogos, não abraçarei pessoas, não brindarei. Não farei mesa farta. Não gargalharei. Não telefonarei meia-noite, quando é impossível ouvirmos as palavras e escutamos só os afetos. Não vestirei branco ou amarelo ou vermelho. O calendário vai virar a página e me pegar sem roupa, sem riso e com pouquinhos planos. Não será triste. Não por isso. A tristeza que trago é de milhares de mortos pela covid no Brasil. É pelo fim do Bolsa-família. Pelo avanço da pobreza e da vulnerabilidade social. E por e também e tudo aquilo. Uma tristeza que nem é nova. Então, a passagem para 2022 não será triste. Ou ainda: não será especialmente triste. Não estarei triste. Estarei me esvaziando. Para que caibam os afetos do novo ano. Para que cheguem os sonhos. Para dar espaço pra esperança. Pra desentulhar e abrir caminho para o bom que eu sei que vem. Me interessa bem pouco o novo ano quando eu tenho que me haver com uma outra Luciana. Não exatamente nova. Certamente outra. Transformada em coisas insuspeitas. Ela e seu bloco de notas inútil. Seu cabelo longo. Seu biquíni laranja. Os mesmos livros empilhados. E outros. Até poesia. Seus vasos vazios. Seus potes de tempero, cheios. Sua gaveta de cartas. A compreensão dolorida da sua escrotice. A dúvida. A vontade de fazer melhor. Os pacotes da amazon com amaciante. Estantes a arrumar - sempre. Nécessaire de pílulas. O aprendizado de um novo tipo de despedida. Ela e seus vestidos longos. Com os mesmos decotes fundos. Um óculos de aro vermelho. Um livro de lombada vermelha. Um batom vermelho. Uma parede vermelha, talvez. Ela e um projeto! Ela e sua mimosa. Ela e algum silêncio. Vem devagar, mulher, pra caber aqui sem esticar tanto a pele. Ela, eu, o mendoncinha... o Verissimo é que estava certo, sempre aparece uma galera.
Já faz um tempo que estou com alguma dificuldade de receber ou fazer votos incluindo a palavra feliz, mas vocês sabem - se não sabem, saibam - que lhes desejo o melhor.
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Era um filme muito, muito bobo. Até a hora em que uma das personagens de apoio diz: estou deixando você ir. Era isso que eu achava que você devia fazer. Me deixar ir. Depois de um tanto de cabeçadas, entendi – ou aceitei - que isso não vai acontecer. Sou eu quem devo deixar você ir. Mais precisamente: devo deixar você. Mesmo que doa em mim. Pior, mesmo que doa em você. Repito devagar, tentando acreditar: devo parar de tentar fazer você feliz. Porque você não vai ficar feliz. Você não quer. Você nem mesmo precisa. A minha estrada não é a sua, ainda que a gente caminhe tão bem juntos.
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Muita gente, ao falar de ferimentos, lembra do Merthiolate - que ardia paca, é verdade. Na minha terra e tempo, antes de usar o merthiolate a gente lavava o corte com água oxigenada (hoje em dia não é mais recomendado, mas era parte fixa do ritual de chegar em casa com o joelho esfolado). E lavava e lavava e lavava com grandes quantidades de água oxigenada até parar de borbulhar. Enquanto espumasse não se seguia em frente. É isso que tenho feito. Jogado água oxigenada nesse afeto. Como na música coreografada do Aviões do Forró, estou limpando você da minha vida. Com cuidado, verificando se ainda faz espuma. Depois, merthiolate e esperar a cicatrização. E depois do depois, olhar praquela marca na pele e precisar fazer um esforço pra lembrar: como foi mesmo que eu me feri?
Água oxigenada na laceração, eis as borbulhas de amor.

"Depois de sonhar tantos anos
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
Depois de tantos desenganos
Nós nos abandonamos como tantos casais
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois de varar madrugada, esperando por nada
De arrastar-me no chão, em vão
Tu viraste-me as costas, não me deu as respostas
Que eu preciso escutar
Quero que você seja melhor, hei de ser melhor também
Nós dois já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo, não podemos negar
Foi bom, nós fizemos história
Pra ficar na memória e nos acompanhar
Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também
Depois de aceitarmos os fatos
Vou trocar seus retratos pelos de um outro alguém
Meu bem, vamos ter liberdade
Para amar à vontade, sem trair mais ninguém
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois"
Depois é um jeito de dizer agora.
Eu não entendo. Mas eu não preciso entender. Preciso me colocar no colo, me embalar, afagar minhas costas, secar minhas lágrimas, servir uma canja, velar meu sonho. E sobreviver. Eu sabia disso pouco mais de um mês depois de te encontrar, continuo sabendo. Mas agora, acho, estou pronta.
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Que em 2022 vocês estejam prontos, eis o meu melhor voto.
Opa, o segundo melhor voto, o primeiro é atochar 13 na urna até ela cantar Lula-lá, brilha uma estrela.