Newscoisa #79: Vocês também tiram o sutiã pra respirar melhor?
Newscoisa #79: Vocês também tiram o sutiã pra respirar melhor?
"E vou viver as coisas novas
Que também são boas
O amor, humor das praças
Cheias de pessoas
Agora eu quero tudo
Tudo outra vez"
Se todos os labirintos, digo, se todas as pessoas são iguais é porque se está olhando apenas o vértice do labirinto. Não tenho vergonha do meu percurso. Não tenho orgulho. Não tenho nada senão passos que me levam a caminhar o teu vazio. Em grandes erros, sigo. Vou causando estragos e transtornos, rabiscando muros alheios, procurando passagem e, na falta dela, arrombando paredes e deixando portas atrás de mim.
Entre os dezoito e os vinte e cinco anos, meu rosto tomou um rumo imprevisto. Aos dezoito envelheci. Foi assim com M. Duras, eu jurava que tinha sido assim comigo. Mas não, apesar de na minha vida, também, muito cedo ser tarde demais, e sempre me sentir um tanto mais velha do que o que os anos contavam, meu rosto só mudou aos 40. Mudou tudo de uma vez, ângulos, expressões, textura. Ainda estou aprendendo a ser essa outra mulher. Que tem seu charme, mas é um charme outro, tal como um esgrimista que muda do florete para o sabre e está descobrindo como manter a elegância.
Quando se pensa “como cheguei aqui” geralmente se faz um balanço de todas as coisas que se fez. Dos passos dados. Das opções escolhidas. De vez em quando eu penso que é um reconhecimento equivocado. Cheguei aqui, também e principalmente, como resultado do que não disse, do que não arrisquei, do que deixei passar, do que não fiz, dos passos que não dei, das opções que não escolhi. Estou aqui, sendo essa, por causa de todas que me recusei a ser, sem nem conhecê-las. Não que eu esteja arrependida ou não goste dessa. Fazemos uma linha de tempo para não ficarmos tontos com o espiral de existir. Finjo um “atrás” para olhar e, lá, vislumbro um tanto de caminhos que poderiam ter sido percorridos. E cada um deles, claro, com tantas outras bifurcações, encruzilhadas, trilhas e mais. É no andar que se faz a estrada. Tendemos a lembrar das decisões como um momento exato de isso ou aquilo, mas a vida dificilmente é preto ou branco. Nós e nossa paleta de memória é que somos limitados. Ou eu, vá saber. Tudo que não fui, inclusive os erros não cometidos, são mistério. Porque depois de um passo, mesmo em falso, há o depois.
Durante a pandemia, a sensação de completa inadequação, depois de anos de esforços frustrados e rebeliões controladas, tomou conta das chaves, hasteou bandeira, matou ou mantém aprisionados – e devidamente amordaçados – os outros habitantes do forte e, agora, vaga, solitária, pelos corredores vazios, gemendo alto só pra ouvir o eco. Precavida, empilha todos os “nunca mais” de suas fantasias bem em frente ao portão, como quem faz barricadas contra improváveis missões de resgate (que ela chama de tentativas de invasão pra dar alguma legitimidade à aridez dos solitários dias).
Não sei (ou não lembro – olha o microspoiler), quem disse que o segredo da felicidade é saúde boa e memória ruim. Pensava eu, ingênua, que era pra ir esquecendo as coisas doloridas que nos aconteciam. Mas fui descobrindo que é quase o contrário. Vou embaciando a felicidade pra conseguir respirar. E tirando o sutiã.
No livro Fogos, Marguerite (a Yourcenar, não a minha) relaciona paixão e abismo. Correta. Como é mesmo o negócio? Quando a gente olha muito tempo pro abismo, ele retribui o olhar. Digo mais: anexa um convite. Tem essa vontade (infantil?) de ocupar os vazios, de completar o que falta, de tampar a panela, vedar as brechas. Vertigem. É um risco, mas a gente balança. Tá lá o abismo, tá aqui a gente, entre nós o laço do olho que é olhado. Tênue equilíbrio. Quem pisca primeiro? O vácuo convoca. Entregar-me de olhos abertos ou virar o rosto, recusar o apelo, um passo atrás e o suspiro?

Sim, eu estou falando com você, moço, mas já não me importo se você realmente escuta ou age que nem o povo de Matrix e vai se desviando. É menos te encontrar e mais poder ansiar.
De vez em quando um pedacinho do meu mundo desaparece. Daqui a nem tão muito, eu mesma. Mas já fiz de tudo. Tão aí os livros, tá aí o filho e até as plantinhas, meu calcanhar de Aquiles, já deram flores e frutos nesses últimos meses.
No por enquanto, chutei a tampa e decretei 5 dias de alegria.
Fica o segredo: a vida é melhor quando a gente escuta o Belchior. Sem sutiã.
Canção da Despedida é das coisas bonitas que a gente aprende com Geraldo Azevedo. Quando eu era novinha, cantava assim: “amor, não chora, que a hora é de beijar”. Talvez eu soubesse coisas sobre mim que ainda eram só promessa. Talvez eu tenha me inventado aí.
Na minha lápide:
Viveu tantos amores eternos que só Vinícius na causa.
Parece que tá todo mundo bem adaptado ao tal “novo normal”. O meu “novo normal” é esperar. Não recomendo.
Talvez eu não devesse me gabar, mas quem resiste?
