Newscoisa #81: Um planeta sem metais
Newscoisa #81: Um planeta sem metais
(vão desculpando, estou enferrujada)

Há coisas que admiro demais. Quem consegue realizar esses exercícios de escrita do tipo: "Narre uma mesma situação a partir de dois pontos de vista diferentes", "Escreva uma carta para seu eu do futuro", "Descreva em duzentas palavras, o que você está vendo da sua janela", "Descreva pessoas que você conhece".
Já eu vivo a dificuldade de colocar as pessoas a fazerem o que sentem e fazem – nem ousaria tentar lhes impor o que eu preferiria que fizessem, dissessem, sentissem – na forma de letras, entre margens brancas.
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Não sou de muitas lembranças, porque minha memória é peba. Mas na editoria recordações, eu acho engraçadíssimo quando nessas degustações o povo fala, ante preparos refinadíssimos e combinações quase exóticas: "me lembra uma sobremesa da infância". Meu docinho depois do almoço, caso houvesse, era uma banana ou um pedaço de rapadura.
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Vocês, na casa dos 40 altos, alguma vez já pensaram em como seriam alguns dos relacionamentos de vocês se, na época, já existissem alguns recursos de agora? Tipo zap, Skype e tal? Eu, nunca. Até que pensei. Agorinha. Tocou uma música e eu lembrei de um (não tão) moço que partiu para fazer doutorado do outro lado do mar e eu ali, no comecinho da faculdade. Vem comigo? Não dá. Se eu mandar uma passagem nas férias? Vamos ver na época. Eu te ligo? Rimos muito. Telefonema era muito caro, carta era uma distração. Entre beijos, decidir que ficamos por ali. Vida que segue. Mas tão bonito o (nem tão) moço.
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Um certo alívio que dá de ter tido o filho cedo e ele já ser uma pessoa capaz de sobreviver na minha ausência (inclusive subjetivamente). Porque existem coisas que eu não vou fazer (e outras que eu não vou deixar de fazer) por um tempo a mais (ou de "mais qualidade") aqui nesse planetinha.
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Uma manteiga
01 abacate
01 pacote de goma
02 Kg de jerimum
07 laranjas
06 limões
01 kg de macaxeira
02 mangas
05 milhos
30 ovos
½ kg de queijo coalho
½ kg de carne de sol
01 kg de carneiro
194 reais e não tem um produto de limpeza, nada de higiene pessoal, nadinha dos secos como feijão, arroz, farinha ou macarrão, nenhum mimo, não tem pão nem flocão para cuscuz. Ou seja.
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Eu tenho muita saudade dos amores que não vivi. Que não vivemos. E, sim, escreva sempre em italiano.
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Uma coisa meio triste é você gostar muito de alguma coisa (livro, série, filme, música) que as pessoas* não gostam também. A maior parte delas sequer sabe que existe. Ainda mais triste – e um tanto solitário – é quando você tenta explicar porque gosta tanto e recebe aqueles olhares meio impacientes e angustiados de animaizinhos presos em armadilhas inesperadas.
* as pessoas são aquelas pessoas, aquelas que a gente escuta, aquelas com quem se fala, aquelas de quem se gosta, aquelas que respeitamos, apreciamos, admiramos.
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Comida é uma coisa que me comove, às vezes. Hoje eu chorei, meio alegria, meio gratidão, almoçando uma comida que eu mesma fiz. Não havia um produto exótico ou estava estreando uma técnica nova. Era cuscuz e carneiro cozido, coisas que faço até com certa frequência. Mas tem dia que a gente acerta no tempero, no ponto, tudo se apresenta da forma como deveria. Tudo bem, o contexto deu um empurrão. Uma coisa que nunca ouvi foi: você precisa casar para ter um marido que cuide de você (quando digo nunca ouvi, estou me referindo ao fato que nunca foi dito porque alguém com quem eu me importasse, alguém cuja fala tivesse peso, como mãe, pai, amigo – sendo a sociedade como é e as pessoas como são, obviamente já me deparei com a ideia um bom número de vezes). Entretanto já ouvi – e não uma vez só – que eu deveria ter uma companhia, um companheiro com quem pudesse dividir preocupações e zelássemos pelo presente e futuro um do outro. É uma ideia mais fácil de ser descartada com 27 do que com 47 anos, reconheço, quando as responsabilidades pesam e o corpo fraqueja. Ou quando se sente uma dor, seja em que tempo for. Quando se tem 47 e dói, então, né. Nesse contexto, ter alguém para segurar o tranco não parece má ideia. Eu me arrastava pela casa ontem. Hoje, fiz a comida que me colocou no ponto que eu prefiro estar: sabendo que eu posso segurar o tranco.
(a título de esclarecimento: não estou recusando companhia, eu apenas não quero querer para. Desejo desejar por ser desejada. E desejante).
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Eu sei, vocês já leram. Mas já recomendaram (caso tenham gostado) para um amigo ou (caso não tenham gostado) para um desafeto? E, saibam, quem comprar até 14/09/2022 o livro "Éter: 18 contos de batom borrado e outros anestésicos" vai receber uma cartinha minha, cartinha não padronizada, escrita à mão, com uma quantidade não controlada e não exata de miudezas e pensamentos aleatórios, descrição do tempo, listas e miniperturbações. Compre aqui (https://dropsdafal.com.br/produto/eter-18-contos-de-batom-borrado-e-outros-anestesicos/).
