Newscoisa #89: Como quem sugere a cama
Newscoisa #89: Como quem sugere a cama
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh minha amada

Eu vi essa imagem aí de cima no blog da Fal. Em 2014. O blog até já é outro. Vi a fotografia e achei tão bonito o que ela escreveu. E tão diferente do que eu pensei. Ah, a solidão! da imagem, das palavras, do sentir. A solidão das identificações, até. Das histórias. Ela disse: cavalo. Eu pensei: jumento. Ela falou: desamparo. Eu pensei: resignação e valentia. Ela arrematou: fim do mundo. Eu pensei: propósito. Olhei e me vi, meio por fora, na contramão, atrasada, talvez. Com essa certeza de ter uma porção de perguntas ainda por responder. Um homem faz o que um homem tem que fazer. Mesmo que o homem seja uma mulher. Todos os dias é um inspirar, trincar os dentes e reinventar caminhos. Por aí, eu, minhas armas um tanto risíveis, meu jumentinho manso, tendo como destino algum lugar que geralmente me ignora.
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Se você não torce Flamengo, eu só espero que alguma coisa, na sua vida, se aproxime da beleza e da alegria que é amar esse clube. Essa é a coisa mais gentil e verdadeira que eu posso desejar a alguém.
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Eu sempre soube: todo amor é para sempre. Ainda estão aqui, comigo, os meus amores. Não, não comigo, ainda estão em mim: o menino que queria ser caminhoneiro, o moço que embaçava meus óculos, o estrangeiro que me mandava belezas, o homem-lua que fazia panquecas, o rapaz do violão, o dos telegramas, aquele que me ensinou a pescar, o que era viagem, o que sempre foi chegada. Estão em mim, os meus amores, no meu jeito de sorrir, nas histórias que repito, na ruga no canto do olho. Estão na pele, na curva do corpo, no balanço das mãos. Em mim. Existindo no meu insistir. Eu sou todos esses amores. Enquanto eu for, eles são. Somos. Todo amor é eterno enquanto eu dure.
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Quando você conhece um moço-refúgio. Um moço-bóia. Um moço-ninho.
E ele mora no reino tão, tão distante.
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Como sobreviver? Um dia de cada vez, uma solidão depois da outra. Vou sendo soterrada por tanto futuro que não é. Encaro o espelho, espio pela janela da alma, vejo o grande salão abandonado. A tristeza cobre os móveis com lúgubres panos cinzas. Cala o piano. Não haverá música, dança, festa. Não haverá. Não seremos.
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Sobre o tema premente da vez, sendo a minha cabeça o que é, lembrei do episódio de Friends em que Rachel está interessada em um cliente e, pensando que precisa impressioná-lo fora do ambiente de trabalho para que ele reciprocamente se interesse por ela, decide inventar uma festa de despedida para a namorada do Ross. Quem viu o episódio sabe que é um festival de vergonha alheia. Rachel se constrange mais e mais a cada tentativa de chamar a atenção de Joshua. Propõe joguinhos com garrafa, faz malabarismos com a comida, “se faz de difícil”, etc. Nada. Até troca de roupa duas vezes. Primeiro, coloca o “vestido da sorte”, muito decotado. Aparentemente nenhum efeito. Daí, mais um passo a caminho do ridículo, veste sua roupa de cheerleader, com pompons e tudo. Os amigos questionam. Ela dá a entender que aquele uniforme foi responsável pelo seu sucesso amoroso no auge da sua vida social (escola? faculdade?). Devidamente “fantasiada” faz uma apresentação na qual acaba se machucando e levando a uma situação ainda mais vexaminosa. Já no finzinho do episódio, vulnerável, Rachel revela que fez tudo aquilo porque queria seduzi-lo. O moço fala que era desnecessário, que já a considerava bonita, inteligente, etc (não pela situação da noite, destaca ele) e que não a convidava para sair porque acabou de terminar um relacionamento e “não está preparado”. Eles se despedem e tal e coisa, temos o momento fofinho do episódio com ela conversando com Ross e depois com Chandler, daí o moço volta, Rachel e ele se beijam. Para os desavisados e românticos, a interpretação poderia ser: olha só, seja sincero, revele seus sentimentos, faça conexão, blábláblá. Mas aí entra o delicioso cinismo do roteirista disfarçado e encarnado na ingenuidade bobinha da personagem, ela olha pro amigo, mostra a roupa de cheerleader e diz: “every time”. Sempre funciona.
Pense numa fantasia que mobiliza tantos afetos.
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Há quem tenha medo da morte. Eu tenho da vida, tantas vezes. Não das coisas imensas do viver: relacionamentos, viajar, acidentes, decisões, sei lá. Tenho das coisinhas miúdas: comprar gás, ir ao oculista, renovar carteira de motorista, lembrar onde estão os comprovantes de qualquer coisa.
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Acho que o que mais me aperta o coração é não ter com quem partilhar esse cheiro que ocupa a cozinha. Faço assim: corto o frango em cubos e tempero com suco de limão siciliano. Deixo esperando. Em um potinho misturo gengibre, curry, páprica picante, canela, pimenta do reino moída. Corto pimentões de várias cores e cebolas em tiras. E umas cenouras também. Salteio o pimentão, salteio a cenoura, acrescento a cebola e dou uma sacudida nela também. Reservo – adoro essa expressão. Na panela bem quente, jogo os condimentos, deixo o odor tomar conta da casa, junto o frango. Espero dourar. Daí entra leite de coco. Cozinho até certezas se tornarem questões. Junto grão de bico pré-cozido, os pimentões, a cenoura e a cebola reservados, mais leite de coco e permito que o fogo baixo complete o trabalho. Desligo o fogo e jogo uma porção de cebolinha picada. E gergelim torrado. Fica gostoso, fica bonito, fica colorido. Só o que me entristece é não ter com quem partilhar esse cheiro que vem da cozinha. O que, claro, é uma dessas ilusões humanas. Ia escrever ilusão romântica, mas nem é exatamente isso, porque mesmo que não estejamos esperando o-grande-amor-da-nossa-vida, de vez em quando a gente acredita que alguém, uma amiga, um irmão, um professor, um moço que escreve cartas, um alguém, algum alguém seria capaz de pensar o que a gente pensa, sentir o que a gente sente, dizer como a gente diz. Entender. Inspirar com força e sentir o misto de conforto e sensualidade que esse odor me provoca, por exemplo. Ou o riso no peito de ver o mar. Ou o misto de medo e gozo de ler-me no Kundera. Mas não. Ninguém vai. Nobody. Nenhum corpo vai perceber como meu corpo percebe. Porque essa é a maior beleza de ser gente: essa inexpugnável solidão. A maior dor, também, mas vamos os concentrar na parte boa do fruto. A maior beleza de ser gente, essa impossibilidade de comunicar da qual, diária e insistentemente, duvidamos, e à qual, insistente e diariamente, combatemos. Sem esperança. A não ser a de continuar tentando. E cozinhando, no meu caso.
Embebedo a solidão até ela mesma se confundir e passar a atender por saudade.