Newscoisa #90: os filhos dos filhos dos filhos dos nossos filhos verão
Newscoisa #90: os filhos dos filhos dos filhos dos nossos filhos verão
Quando me contaram que minha avó paterna tinha morrido repentinamente, eu não chorei. Ajudei a contar pros meus irmãos, confortei todos que eu pude, fiquei no velório acolhendo as pessoas, dando informações, falando com os responsáveis pelos procedimentos dos ritos e do enterro. Planejei o ritual litúrgico de corpo presente, distribuí tarefas, fui a comentarista na missa. Enfim os trabalhadores encarregados colocaram o caixão naquela mesinha com rodas e nos dirigimos para o jazigo – daí eu chorei. Como se abrissem as comportas, soluços altos, lágrimas pesadas, eu não via nem onde estava pisando. Um choro exaustivo. Nem minha cabeça nem meu corpo conseguiam lidar com o que eu sentia. Estou falando disso porque, hoje, a minha sensação é a mesma desse momento do enterro da minha avó. O meu corpo e o meu pensamento não dão conta de mais nada. Nessa campanha, especialmente entre o primeiro e o segundo turno, eu fiz o que pude, do jeito que eu pude, da melhor forma que eu podia. Sem pé atrás. Hoje é o dia do choro. Amanheci já no deságue. Desgastante, provavelmente necessário. Eu não sou forte por natureza. Seguro alguma barra quando é preciso, mas não é assim que sou o mais perto de mim mesma. Essa campanha, esses anos do desgoverno do bozo, a campanha de 2018, o período entre 2013 e o impeachment, tudo isso me fez perder muito (nos fez perder muito). Amores, pessoas, sonhos, poder de compra, projetos, eventos, encontros. Muito. Perdemos demais. Ter que viver o dia seguinte – e o seguinte do seguinte e o seguinte do seguinte do seguinte, etc - em um mundo sem a minha avó foi bem difícil. Viver em um mundo sem as melhores partes de mim é ainda mais complicado. Guardo, porém, algum vestígio do meu esperançar e torço que seja um mundo de dias seguintes melhores para os outros todos que conseguiram manter-se inteiros. Um mundo melhor, espero, seja o que, como cantou Bethania, os filhos dos filhos dos filhos dos nossos filhos verão.
eu, minha sobrinha e a galinha no terreiro
Eu cresci indo visitar a família que mora/va em Pedra Branca. Os tios do meu pai. Irmãos desta minha avó. Escravidão não era um termo distante, o pai da minha avó nasceu liberto pela Lei do Ventre Livre, por menos de duas dezenas de anos. Antigamente se dizia: gente muito simples, para dizer: pobre. Ou, no caso de alguns, menos pobres que desassistidos. Da minha infância trago a memória das casas sem energia nem água encanada, das galinhas no terreiro, da baixa ou inexistente escolaridade, das distâncias cobertas a pé. De lá pra cá minha vida mudou e a vida deles mudou ainda mais. Casa no azulejo, lâmpada no lugar do lampião, um banheiro imenso com água saindo do chuveirão. As galinhas ainda estão no terreiro. Não as mesmas, eu mesma comi de algumas. Filhos formados em universidades públicas na região. Tratamentos de câncer, diabete, hipertensão, exaustão da vida, tudo pelo SUS. Eu sempre me irrito quando alguém argumenta com: mudei de vida (ou mudaram) porque trabalharam, não por causa do Lula. Porque eles trabalhavam antes de. E muito. E continuam trabalhando no agora depois de. Bastante. Mas os avanços só aconteceram, só puderam acontecer, dentro de um determinado contexto. Política pública pode transformar a realidade concreta das pessoas. E seus sonhos. É, também, por essa vivência, que me é inconcebível que tios e primos meus, que também viram e viveram tudo isso que lembro e conto, votem no coiso. Foi horrível em 2018. É bizarro em 2022. É incompreensível, para mim, um ódio que cega à própria história. Rompi em 2018 e 2022 alargou o fosso. Pretendo nunca mais encontrar nenhum deles, nem de alma e, se possível, nem de fato. Nem em nascimentos e velórios. Ah, mas aí você odeia também. Não odeio. Desprezo, sim, mas não odeio. O que sei é que se quero uma vida com riso, alegria e esperança, não quero nela pessoas que são capazes de empunhar seu preconceito e burrice como bandeira. E atropelar, nisso, quem eu amo. Inclusive minha família do interior. Um deles, o Ti Louro, morreu. Morreu durante a pandemia (não de covid, porém, fez o ficar em casa bem direitinho, inclusive). Não pude ir lá na época. Me dói demais. O Ti Louro era, dos que conheci, o irmão mais novo da minha avó e, provavelmente, o meu preferido, em muitas medidas, especialmente por ser um incrível narrador. Um brilhante contador de histórias, Em um tempo pós estatuto do desarmamento – e que voltar a ter armas nas casas parecia uma distopia improvável – ele dizia que era uma pena, que toda criança devia ganhar uma arma com 8 anos de idade sei que lá, se defender. Quando veio o bozo e seu discurso armamentista, meu coração se apertou de medo de perder também esse. Bobagem minha. Votou no PT em 2018 – assim como toda sua família - e sabia explicar direitinho o porquê. Porque ele votava na vida. Na vida melhor que ele passou a ter e na vida melhor que ele via naquele pequeno município do interior do Ceará. Eu, você, somos beneficiados pela gestão do PT, também. Mas é para o Ti Louro que o Lula governa. Eu não voto no Lula e no PT para tirar o Bolsonaro. Isso aí pra mim é o bônus. Eu voto neles porque confio que é o melhor governo que podemos ter, não por ser excepcionalmente bom, mas por querer acertar. Porque vi o que foi feito, sei o que se pretende fazer, para onde se quer ir. E é bem pro lado que meus passos desejam andar também. E os filhos dos filhos dos filhos dos filhos do Ti Louro, verão.
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Hoje tem jogo final da Libertadores.
Tudo que eu peço: o seu melhor, Flamengo, o seu melhor.
Olhe o Bruno Henrique e veja o Pedro, tá.