Newscoisa #93: Uma menina com uma flor? não, com um baobá
Newscoisa #93: Uma menina com uma flor? não, com um baobá
“você cresceu em mim dum jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver nascer uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente”
(Caio Fernando Abreu)

A primeira vez que eu ouvi falar de um baobá eu não ouvi falar, eu li – e foi n’ O Pequeno Príncipe. “Dia a dia eu ficava sabendo mais alguma coisa do planeta, da partida, da viagem. Mas isso devagarinho, ao acaso das reflexões. Foi assim que vim a conhecer, no terceiro dia, o drama dos baobás“. Imagino que esta seja a primeira vez de um bocado de gente... toca aqui, galera.
Conhecendo o baobá por lá, pode ser que uma parte significativa das pessoas o veja como ele se parece para nosso principezinho: uma ameaça. Um baobá tipo lobo mau pra quem a chapeuzinho vermelho, espantada, pergunta: pra quê estas raízes tão grandes? Mas eu não lembro de ter pensado sobre ele, seja em que tempo for, nestes termos. Para mim, nunca foi o baobá que era grande demais pro planetinha, era o planetinha que era pequeno demais pro baobá.
O afeto é meio baobá (lá vem a moral da história, apertem seus cintos e peguem seus saquinhos de enjôo) e pode ocupar um espaço enorme em nós. Aí, um tanto de vezes, a gente se esquiva e tenta preservar a estrutura do nosso mundinho fazendo como o pequeno príncipe: depois da toalete do corpo, a toalete do planeta; expurgamos as sementes e mudinhas de baobá antes que venham a ser o que poderiam vir a ser. Antes que nos transformem. Antes que nos fragilizem.
Mas (tem um mas? tem sim, porém um mas que nega a negação) diferente do B 612, nosso mundinho pode crescer e, crescendo com o afeto, já não seremos pequenos demais pro bem querer que cresce em nós, nem ele grande demais a ponto de nos desmantelar. Raízes fortes bem assentadas em terreno fértil. Belezas.
Um baobá tem uma coisa de mágico justamente pela sua intensa materialidade e concretude. Tocar um baobá é saber o tempo que foi, que é, que vai ser. Não por acaso há uma mitologia que nos conta que se alguém for enterrado no tronco do baobá, sua alma viverá pra sempre… e como duvidar de?
Um amor baobá permanece, mesmo quando se torna história.
Baobá não é algo de que se faça plantação. Ele chega. Surge de mansinho, discreto e, se não for arrancado, suas raízes se espalham por toda parte, em meu coração, estômago, rim, tempo, pensamentos, de tal sorte que não se faz possível saber-me sem ele. Quero meu baobá fazendo imensa sombra. Quero tudo e quero logo. Quero logo e quero muito.
Aceito o baobá que cresce no meu coração como suspeito que o Pequeno Príncipe jamais pôde aceitar a sua rosa. Com o reconhecimento claro de que meu coração é campo minado. Terreno alienado. Terra prometida. Não importa a metáfora, aceito o baobá com o claro reconhecimento de que abrir janelas, portas, derrubar paredes e arrancar telhados é o que faço de melhor.