Newscoisa #95: Aceitamos o convite, eu e o elefante
Newscoisa #95: Aceitamos o convite, eu e o elefante

(você lembra? lembra? que chamou o elefante pra sua lojinha de cristais?)
O que dói tanto nem é o gozo que você nos negou. É perceber que sem saber de ti fico sabendo um pouco menos de mim. Lavo pratos, dobro roupas, dobro esquinas, corrijo trabalhos, o rumo, a pose, organizo temperos, o tempo, os recursos, atravesso os dias com a felicidade que aprendi a sentir e vivo as noites abraçando a solidão que é de ser humana. Tento não sentir a sua falta. Quase consigo.
A gente esquece. Ou pensa que. Parece até que nunca ouviu Bethânia cantando, “bate é na memória da minha pele”. De repente, a vontade de um abraço. Tem gente que lembra de tudo. Eu, de quase nada, dito, feito, visto, falado, ouvido. Mas não se abrandam as sensações. O corpo reclama. Há lembrança, e tanta, do que me fez bem. E ainda faz. Eu falo muito e há coisas que ainda não sei dizer. Talvez nunca venha a saber. Pode ser que não existam palavras para o que provavelmente nunca devesse ser. Mas eu queria ter dito. Coisas delicadas. Pequeninas. Miúdas vontades. Sussurrar: não há que se temer o que não existe como, por exemplo, o futuro. Ocupar pouquinho espaço, enrodilhada no cantinho do peito. Ou na palma da mão. Na ponta da sua língua. De novo a Bethania: o abismo que nos separa. Cavei com minha incapacidade de sair da concha, talvez. Espio o baralho, as cartas debocham. Ainda assim, o coração acelera e o sangue faz corar quando uma mensagem qualquer apenas é. Parece que foi ontem. E foi. O que eu ainda sei: o conforto. O encaixe. Poder dizer. Rir. Tocar. Devia ter te tocado mais. Tão bonito apenas dizer: sim, eu gosto. Também eu. Gosto. Do contato físico, digo (e completo, só pra mim: do contato com você). Estamos a uma língua de distância. Ou duas. Uma palavra bem dita e as lembranças que eu levaria na mala seriam outras? Ou não era nada disso, era apenas um isto, uma recordação bonita comprovada, uma gentileza, uma conversa fácil. Sempre foi fácil, com você. Eu suspiro. A gente (a gente sou sempre eu) esquece. Ou pensa que.
Não há vento favorável, eu sei, mas mantenho as velas içadas.
Acabei de ler que não devo ficar dando murro em ponta de faca. Concordo, claro, enquanto fecho o punho e miro bem no vértice da lâmina.
Status: ioiô. Obviamente meio zonza.
Trago, sim, um pouquinho de arrependimento na bagagem, todas as palavras que eu não quis dizer pesam na mala que arrasto em corredores resfriados pela sua falta de imaginação.
Se ela tivesse a coragem. Mas não tenho, Vinícius.
Há pessoas que escrevem e fazem o belo. Elas podem se dar o luxo da honestidade. Todas as vezes que eu escrevo, eu minto. Mesmo quando falo de uma coisa que sim, aconteceu. Mesmo quando falo do que estou sentindo, do que existe e do que pensei. Escrever é agarrar uma tábua e não me afogar. A gente está ali, vivendo a vida que tem pra viver, rindo o riso que tem pra sorrir, chorando a dor que tem pra doer, dormindo o sono que tem pra entorpecer quando uma saudade cresce a ponto de sufocar. Para sobreviver, ditos. Eu minto, é o que me sobra, reconhecer que a linguagem é cobertor curto. Por entre as letras escapa o verdadeiro e fica o possível. Eu anseio pelo belo, mas escrevo porque é preciso e a sobrevivência não permite condescendências.
Duas coisas que não faço: ouvir música, me apaixonar. Tem dias, assim, que a gente só atravessa com o Paulinho da Viola. Hoje.