Sabe o que dizem sobre o isolamento na infinitena: boca vazia, oficina do cigarro. Foi assim que comecei a fumar. A varandinha do apartamento já devidamente equipada com um cinzeiro de pé alto, resgatado da vazia casa da avó, primeira perda da pandemia, recebe meus pensamentos recorrentes no começo das noites, depois da altercação do dia, o jantar servido, a louça lavada, o banho tomado, a criança e seu sono encaminhados. Uso a cigarreira elegante, presente premonitório de um paciente dos primeiros tempos de consultório. Que se matou.
Esquecer, esquecer, esquecer. Um cigarro a mais. Podia ter sido o pior vício adquirido. Não foi. Virei adicto das mensagens de quase amor, nas madrugadas. O ritual: depois da varanda, passear pelas redes sociais de forma silenciosa, umas taças de vinho, o silêncio no escuro dos cantos da casa e só então lanço uma frase qualquer naquele número de sempre. Aí é um samba ou dois de espera e a resposta, ansiosa: ainda está aí? Estou acordada sim. Um encontro de solidões diversas.
Nem sei direito como nos enredamos assim. É inebriante a facilidade com que as oferendas se sucederam - e continuam: fotos, links de música, trechos de séries antigas, áudios de poemas lidos na penumbra, reinvenções do passado que não tivemos, pdfs sofisticados, memes superficiais.
Ela se tornou meu balão de oxigênio. Escape da minha melancolia, com seu sorriso abe alas. Carnaval fora de época. Toda ela, bloco do prazer. Kit sobrevivência nos dias sufocantes, relações áridas, incerteza de amanhãs: máscaras, vacinas e mensagens, não necessariamente nesta ordem.
Porém, ah, porém. Eu e minha bagagem. Pé no freio. Mas especialmente nas madrugadas em que os dias foram de contas a pagar, filhos inquietos, mulher insatisfeita, pai doente, e as noites continuaram em dúvidas, leituras atrasadas e um pouco de azia, eu embaço a fronteira. Misturo as estações. Sem querer, justifico com a cabeça pesada no amanhecer tardio dos dias que se seguem.
Escurece, eu, de novo. Ali. Mensagem. Risquinha azul.
Vulnerável. Eu. Ela. Nossos nós. Noite após noite aperto o laço. Muitas palavras. Escritas como quem sussurra. Linhas cruzadas. Rubores nas entrelinhas. O dito é um ímã. Saio sem me despedir, quase sempre, e fico espiando as últimas mensagens meio soluçadas, sondando o vácuo. Espero a desistência e solto um último emoji, que será encontrado pela manhã. Deixo o anzol bem enfiado. Talvez seja um pouco cruel.
Às vezes, no meio do dia, penso se há um coração se machucando e reluto em continuar a dança. Mas, na madrugada seguinte, preciso de mais um pouco daquela ritalina particular. Não é minha culpa, lembro do Visconde que ela ama. Engasgo e escrevo o que não devia. E quero. Sinto o peso do desejo. Ela, como ondas, vem e recua, vem e recua. Penso em mergulhar, mas apenas molho os pés.
Covarde, eu sei.
Mas ela não sabe. Ainda não. Pego o que preciso, não é por mal. Não é minha culpa, o importante é repetir até acreditar. Demoro-me nas histórias que posso partilhar e ela organiza um mundo pra sobreviver. De vez em quando, adelianamente, cozinha meus pratos preferidos ou me envia um presente, ondas altas, maré cheia. Eu me recolho cedo por um tempo, evito as redes. Escavo abismos. Sustento o vazio. E fico atento ao movimento, mantenho a atenção, quando a sinto desistindo, volto pras caixinhas. Olá. Saudades. Preciso de você.
Uma dor, um medo, uma perda, uma gracinha – tudo funciona. Qualquer coisa funciona. Como ela me disse que Gonzaga disse – ela sabe todas essas coisas que o samba não me deu tempo de conhecer – mulher querendo é bom demais. Não é por mal que a mantenho vendada à beira do penhasco, repito, não é por mal, não é por mal.
Vai doer nela, já dói em mim. Sinto o alarme soando e sei. Apenas sei. Ela é fronteira. Risco. Demarca o passo que não vou dar. Não posso. Eu sei, eu sei, eu sei.
Por exemplo: eu sei que poderia sentir um pouco da felicidade. Não toda, não pra sempre. Um vislumbre. Fragmento colorido. Uma tarde ou duas. No depois do sozinhos. Sentir. Sorrir. Mas como abrir mão da tristeza cultivada por tanto tempo que é quase a definição estrita de mim mesmo? Suspiro. Você tem o suspiro nos olhos - ela disse, numa noite que virou dia. Preparo o descarte do afeto contando que o silêncio discreto continue a se impor.
Mais um trago. Continuarei a fumar mesmo findo o isolamento. Isso e uma vontade, levarei da infinitena. Bituca no cinzeiro. Um dia o esquecimento? Tentarei dormir cedo.
Devo lhe dizer. Vc é a melhor fumante não fumante que eu já conheci.
Por aqui sigo na luta em tentar largar o vício. Mas Rust do True Detective tá dificultando pro meu lado. Me apaixonei por esse bostinha, que personagem foda!
Comecei essa série (velha) dia desses, tô gostando, amei a complexidade da duplinha. Ocê é fanfarrona pois as Garrafinhas só mudaram de lugar. C poderia fazer uma lista de recomendação de filmes-seriados pra postar lá no Cais, que acha? Vc é muito boa "assistidora" de produções! Eu, estou devendo nesse quesito e muito!
Massa saber do novo (?) livro de contos! Em breve vou adquirir o meu :)
Beijocas e saudade!
(Hj depois de um hiato existencial eu fui checar os 3 mil e-mails não lidos. Escrevendo aqui pois não sei se respondendo os e-mails c receberá)
aaaah... a voz de lá.... adorei...