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O filme Zona de Interesse e o comecinho da série Xogum: A Gloriosa Saga do Japão pelos olhos e palavras do Gilson Rosa
O Gilson Rosa é um querido que a internet, não sei bem como, me fez conhecer. E daí em diante foi admiração, uma aproximação tímida da minha parte, uma aceitação generosa da parte dele e, agora, anos e anos de Facebook depois, não tenho pudor de dizer: amo, amo amo, nem temo que ele me despreze por ser uma manteiga derretida enquanto ele tem gosto refinado e um coração (segundo ele) peludo.
Gilson tinha um blog (maravilhoso) que está desativado (que tristeza). Todos nós que o conhecemos sofremos com a saudade que sentimos dos seus excelentes textos, especialmente quando ele trata de filmes e séries. Por tempos choramos e lamentamos e ele nem tchumbs. Mas estes dias ele voltou a escrever (#ChicoFeliz) mas postando no facebook (#Chicoencafifado). Pedi pra trazer para cá, tipo uma coluna da minha newscoisa, uma carta alheia no meu envelope, etc., os textos que ele produzisse. Ele consentiu. Outra Lu, menos egoísta que eu – e mais esperta – sugeriu que ele postasse no instagram também. Então, se forem sabidos, tratem de seguir o @toerresmocapixaba. Parece que hoje ele vai falar d’as pobi coisinha (by Dodô) hoje mais pá de noite (ou amanhã, cada coisa no seu tempo).
Como não sou boba e ele já havia concordado, trago as reflexões do Gilson sobre Zona de Interesse (todo mundo sabe, competindo em Melhor Filme no Oscar, etc) e Xogum: A Gloriosa Saga do Japão (série recém lançada no Disney plus). Daqui pra frente é tudo texto do Gilson, nada meu… Aproveitem!
Zona de Interesse (Jonathan Glazer - 2023)
“O soberbo e fenomenal A Fita Branca do sempre provocante Michael Haneke é situado num vilarejo idílico e harmônico de uma Alemanha alguns anos antes da primeira guerra mundial. Só que de idílico e harmônico esse vilarejo não tem nado. Sufocados por uma educação religiosa moralista, repressiva e controladora e criados por país intransigentes e violentos, os jovens da aldeia começam a canalizar toda essa frustração, insatisfação e raiva reprimida contra tudo e todos que sejam diferentes ou que apresentem ameaça a qualquer sonho ou anseio que esses jovens queiram viver ou realizar. A violência, a crueldade e a brutalidade passaram a reinar. De início de forma sutil e velada. Depois, de maneira escancarada.
Sempre se perguntou por que os alemães comuns, que não estavam diretamente ligados a cúpula nazista, abraçaram de maneira incondicional um regime tão brutal, tão racista, tão violento e com ideias tão alarmantes contra a natureza humana. O filme do Haneke não dá nenhuma resposta. Mas faz surgir algumas ideias: será que foi isso? O filme do Haneke é de 2009. Tal qual Zona de Interesse não cita e nem mostra uma única cena do Holocausto.
Bons filmes tem a capacidade de dialogarem entre eles à distância e tratando de coisas completamente diferentes. Porque provavelmente Rudolf Hoss e Hedwig Hoss nasceram e foram criados em um vilarejo rural idílico e harmônico igual ao de A Fita Branca. Digo isso porque Hedwig Hoss é uma mulher no auge da realização pessoal. Ela não consegue disfarçar a felicidade por ter aquela casa, por ter aquela família, por morar naquele lugar e pelo marido ter aquele emprego. Nos inúmeros momentos de horror (não sei se você reparou mas esse filme é um filme de terror) uma das coisas que mais me apavorou foram as risadas e a alegria incontida da Hedwig e o momento em que a mãe numa visita diz: muito bem minha filha, você conseguiu! (Eu não sei se esse é o diálogo exato. Não tive coragem de voltar lá pra conferir). A mãe admira a beleza da casa e o tamanho dos quartos completamente indiferente aos gritos de pessoas sendo torturadas no outro lado daquele belo papel de parede. Essas pessoas escolheram não se importar. Elas tomaram essa decisão na firme convicção que o mundo deve a elas uma recompensa por todo o trabalho duro que elas tiveram pra se tornarem cidadãos alemães exemplares. E eles vão defender essa posição até depois da morte. Vão apagar todas as provas, enterrar todos os corpos, silenciar todas as testemunhas e negar, negar e negar.
A segunda guerra terminou vai fazer 80 anos. Em breve não haverá mais testemunhas vivas do holocausto. Filmes como A Fita Branca e Zona de Interesse servem como documentos históricos. Não importam os motivos que essas pessoas tiveram pra fazer o que fizeram. Elas fizeram e o que elas fizeram foi um crime que a humanidade nunca pode esquecer”.
Xogum: A Gloriosa Saga do Japão ( 2024- Disney plus )
“Quem é assinante antigo do canal (aperte o sininho pra receber todas as notificações) sabe que eu tenho um fraco por filmes de samurai. É um gênero que eu não me canso porque, mesmo sendo uma fórmula batida (todos os filmes de gênero são), existe inúmeras possibilidades dramáticas e de construção de personagens que você pode explorar. Porque o samurai carrega em si uma contradição fascinante: quanto mais brutal e mortífero ele é enquanto guerreiro, mais ilibada e irrepreensível deve ser a sua conduta moral. Evidentemente esse material atraiu uma penca de diretores fenomenais que só o Japão poderia produzir. Alguém aí já ouviu falar de Akira Kurosawa?
Só que o gênero foi tão copiado, imitado e falsificado que os grandes cineastas japoneses torceram o nariz e foram fazer outras coisas. Daí na China surgiu, no início dos anos 90, um movimento de cinema chinês feito por jovens diretores que ficaram conhecidos como “A quinta geração”. Um dos mais célebres desses diretores (Zhang Yimou ) resolveu nadar contra a corrente do movimento e fez dois filmes whuxia (o que seria o equivalente chinês das histórias de samurais) Herói de 2002 e o fenomenal O clã das adagas voadoras de 2004. Os dois filmes foram assombrosos sucessos não só na China como no mundo inteiro. Pronto, tava aberta a porta para as histórias de samurais voltarem com força. O Japão não ficou de fora da festa. E como criadores do gênero eles tinham autoridade pra reformular completamente a receita e fazer algo novo, inebriante e moderno contando as mesmas histórias de sempre. Dessa safra tem filmes fenomenais. Um dos mais bonitos se chama O Samurai do Entardecer, filme de um veterano do cinema japonês, Yoji Yamada. O filme conta a história de um samurai viúvo que está em ocaso e que luta não contra outro samurais mas contra a miséria e a falta de prestígio. O samurai é interpretado por um ator magistral chamado Hiroyuki Sanada. O ator chamou a atenção de Hollywood que o obrigou a participar de bombas tipo O Último Samurai, Wolverine e Mortal Kombat. Mesmo nesses filmes ridículos ele sempre conseguiu se destacar e manter a compostura. Guardem essas informações.
Vocês lembram que eu tenho um fraco por filmes de samurai né? Então. Quem gosta do gênero de um jeito ou de outro chegou no livro Xogum do James Clavell. Eu não fui diferente. Daí eu tava meio que animado e meio cabreiro quando anunciaram que o livro seria adaptado pra uma série no DISNEY PLUS. Pensei: outra farofa da Disney. Mas, como a série teria o Hiroyuki Sanada liderando o elenco, eu respirei fundo e me resignei: quem eu tô querendo enganar? Lógico que eu vou ver. Para minha grata surpresa os meus receios eram completamente infundados... a série tem produção caprichada, um elenco matador, roteiro em ponto de bala, fotografia deslumbrante e o melhor de tudo: a série tá mais interessada nas engrenagens políticas que movimentavam o Japão de 1600 do que nas peripécias do branco conquistador aleatório que chega querendo cantar de galo. O Sanada em cinco minutos de tela te entrega um personagem complexo, fascinante e impossível de desviar os olhos. Ele não tá sozinho: Tadanobu Asano como o ~~ vilão ~~ da história está igualmente excelente. Outro destaque do piloto foi o Takehiro Hira como o chefe do conselho que quer derrubar lord Toronaga (Sanada). Posso cair do cavalo, mas pelo pouco que vi a série tem tudo pra ser um dos grandes destaques do ano. Vamos acompanhar?
PS: Cosmo Jarvis faz o tal protagonista branco. Nunca tinha visto nada dele e gostaria de continuar sem ver. Achei péssimo.
PS1: nunca tinha visto uma pessoa ser cozida viva e também gostaria de continuar sem ver. Achei apavorante.
PS2: série da DISNEY mostrando gente pelada e uma marmita de casal ? O QUE ESTÁ ACONTECENDO???
PS3: tô querendo escrever um texto por episódio. Sim, isso é uma ameaça”.