Um longo livro, um post curto
Não é uma resenha e não tem spoiler, tem apenas eu, lendo e escrevendo
Estou contentinha, li um livro de 445 páginas de ontem a noite pra hoje meio-dia* e, nesse intervalo, também vi duas partidas de futebol, dormi minhas seis horinhas, tomei café papeando com a irmã, arrumei a arara de roupa e tal.
O livro é excepcional? Nem por isso. É ruim? Não mesmo. Eu admiro quem sabe encontrar personagens e colocá-los para fazer coisas, sentir coisas, dizer coisas. Coisas que se encadeiam, que se determinam, que se implicam. É uma escrita muito, muito, muito diferente da que eu pratico. Parece-me, tantas vezes, um talento além do humano (nem melhor nem pior, mas certamente outro, um talento que nem chego a almejar porque mal dou conta de reconhecê-lo). É uma habilidade que sempre me impressionou, não importa se exercida de forma sofisticada e preciosa como nas histórias do Machado ou da maneira mais industrial e rasa de romances de banca.
Especificamente, esta autora, Coco Mellors, consegue desenvolver personagens que sentem, dizem, fazem coisas muito interessantes. Reveladoras. Inquietantes. Algumas vezes, desprezíveis. Em outras, invejáveis. Uma gente que pensa, se emociona, se comporta e se expressa de maneiras eventualmente condenáveis, mas sempre reconhecíveis e compreensíveis. Eu acho isso enorme.
O que acontece na história é bem pouco, quase nada. Não tem os tais plots twits. Mas os personagens, tão bom ficar sabendo deles. Gosto que ao nomear Frankenstein ela se apropria da dubiedade do senso comum e Frankenstein se apresenta como criador bem-intencionado e, ainda assim, cruel, ao mesmo tempo em que se revela um monstro, porém um monstro perdido e vulnerável. Gosto que a Cleópatra evocada na personagem seja a mulher arrebatadora e fatal, impérios a seus pés; e também uma mulher carente, cujo poder não deveria nem precisaria mas parece depender dos homens nos quais se apoia.
Vi alguns comentários criticando o entra e sai dos personagens secundários. Para mim, foi um acerto da autora. Já escrevi sobre isso em algum lugar (não encontrei para linkar), gosto quando isso está presente em uma obra, penso que esse movimento dinâmico de conexão e desconexão é um aspecto da vida adulta real em que a nossa vida encosta em várias vidas queridas, mas não se enrosca, como se enroscava, na infância ou adolescência. O correr dos dias já não permite.
Além disso, não entendo que Cleo ou Frank sejam os protagonistas da história. O relacionamento é que é, acho. E é este “protagonista” quem deflagra a nossa relação com cada personagem. Por isto que, penso, tem sentido que momentos diversos do relacionamento Frank-Cleo faça emergir narrativas, traga “à luz” trechos das existências dos demais. Outro lance interessante é a pegada G.R.R. Martin, cada capítulo conta fragmentos de vida de um personagem específico, sob sua ótica, embora mantendo o estilo da autora, pois na 3a pessoa (só um dos personagens “fala com sua própria voz”, mudando a narrativa para a 1a pessoa e imprimindo um estilo outro ao texto).
Estou finalizando a escrita de um livro muito, muito diferente desse, às vezes eu me pego matutando nas lucianas diversas, leitora e escritora, e suas preferências, necessidades, escolhas (e pensando também no quão absurdamente maravilhosa é a escrita e suas possibilidades). As ações, os ditos, os sentimentos (e até os próprios personagens), na minha escrita, não são bem delineados, não tem contornos definidos, fronteiras, precisão, embora - contraditoriamente - se apresentem em pequenos e marcados parágrafos (não-lineares, mas aí já é outra conversa). A narrativa é em 1a pessoa, mas a voz da personagem não é um dado, ela, personagem, vai sendo contada ao mesmo tempo em que conta (pelo menos é o que “escuto” quando releio, #aloka). Ela é mais editora do que vai ser/vai sendo dito no texto que narradora, talvez.
Mas divago. Comecei este textinho mesmo pra conversar sobre a alegria de “voltar" a ler com esta fome, este mergulho, essa abstração do “tudo o mais”. Todo mundo sabe que ler é parte fundamental do escrever. Mas eu diria que, pelo menos pra mim, ler é parte fundamental do meu ser**.
(esta imagem é brega? é sim. eu amo? óbvio)
*no momento em que estou mandando esta garrafinha já estou quase na metade do outro livro da autora, este de “apenas” 393 páginas.
**por isso é uma alegria, mas também um alívio, me perder na leitura - assim me encontro.
(e pra vocês? quem quiser, me conta o que tá lendo, como é sua relação com a leitura, se já leu a Coco Mellors, se já leu o Éter ou Contos do Poente - meus livros anteriores; se você escreve e se seu eu-leitor e seu eu-escritor são unidos ou meio de quina, etc)
Já li esse e o Blue Sisters dela. Uma leitura muito fluida e personagens que você sente vontade de socar e abraçar - as vezes é tudo o que precisamos : )
Ainda não consegui retomar o foco seja de leitura, seja pra ver séries e filmes :c(